Dr. Paulo Ezequiel, médico ginecologista da Prefeitura de Natal e do Estado do Rio Grande do Norte, escreveu um artigo polêmico, que retrata a situação tenebrosa de desvalorização e de queda do padrão de vida da classe médica, e que ganhou repercussão nacional entre seus pares. Seu artigo tem sido publicado em jornais de grande circulação e repassado por e-mails, há cinco anos, sendo inclusive referido em um discurso proferido pelo médico e senador piauiense Mão Santa, no Senado Federal, em 29/09/2003, que tratava dos prós e contras do desenvolvimento da medicina no Brasil e a presença de médicos na política(http://legis.senado.gov.br/pls/prodasen/PRODASEN.LAYOUT_DISC_DETALHE.SHOW_INTEGRAL?p=340622).
A quem interessar, eis o artigo do médico potiguar, na íntegra, que pode também ser visto nas páginas http://www.sbdba.org.br/news.php?noticia=31 e http://www.apmsbc.org.br/revistaApmMat.asp?rvId=219, que apresentam também comentários, chamando o artigo de "carta patética". O artigo também corrobora minha idéia de que o Poder Judiciário, apesar de não fazer algo significativo para melhorar a qualidade de vida dos brasileiros, ainda é excessivamente valorizado.:
“Médicos, companheiros de profissão, como descemos... Quando meu pai, médico, aposentou-se há nove anos, disse que estava fazendo aquilo porque a profissão médica havia chegado ao fundo do poço e não agüentava ver a classe descer mais do que já havia descido. Nesses nove anos, os salários e até o CH (coeficiente de honorários), criado para proteger o trabalho médico, desvalorizou 308,68% se comparado ao salário mínimo (e nós pagamos salários baseados no mínimo aos funcionários); desvalorizou 73,47% pelo IBG, que mede o índice de preços ao consumidor da inflação), índice este que sabemos ser maquiado pelo Governo Federal. Se “dolarizarmos” nossas perdas, elas chegam a 351,81%.
“Médicos, companheiros de profissão, como descemos... Quando meu pai, médico, aposentou-se há nove anos, disse que estava fazendo aquilo porque a profissão médica havia chegado ao fundo do poço e não agüentava ver a classe descer mais do que já havia descido. Nesses nove anos, os salários e até o CH (coeficiente de honorários), criado para proteger o trabalho médico, desvalorizou 308,68% se comparado ao salário mínimo (e nós pagamos salários baseados no mínimo aos funcionários); desvalorizou 73,47% pelo IBG, que mede o índice de preços ao consumidor da inflação), índice este que sabemos ser maquiado pelo Governo Federal. Se “dolarizarmos” nossas perdas, elas chegam a 351,81%.
Como descemos... Inicialmente fizemos cortes no orçamento, depois aumentamos a carga de trabalho, passando a dar mais plantões. Cortamos férias, nos tornamos “clientes especiais” dos bancos, inicialmente eventuais, hoje cativos. Não temos tempo sequer para nos organizar.
Como descemos! Não podemos lutar sequer na Justiça, pois o Judiciário jamais votaria a nosso favor, mesmo que estejamos certos. Os juízes já votaram seu próprio aumento salarial e, se votassem o nosso, poderia não sobrar para eles.
Em 1994 um médico recebia R$ 755,00 e um promotor público R$ 1.300,00.
Hoje, o médico recebe os mesmos R$ 755,00 e o promotor mais de R$ 8.000,00.
Que diferença de responsabilidade ou de um curso faz com que ocorra tal disparidade? Sem falar de vereadores, auditor fiscal e outros cargos que, devido ao seu poder de autogestão dos salários foram evoluindo exponencialmente, enquanto nós retrocedemos.
Como descemos! E a culpa, de quem é? De nós mesmos! Nós, que deixamos a coisa ocorrer sem reagir. Talvez devido à celebre frase: “Medicina é sacerdócio!”. Mas até os padres, hoje em sua maioria vivem bem, comem bem, dormem bem, têm carro, vestem-se bem, viajam. A culpa é nossa por termos aceitado dar plantões em condições mínimas! Sem água? Compramos água. Comida ruim? Compramos comida. Não há material? Improvisa Tudo em prol da continuidade do serviço e do paciente. A culpa é nossa por termos criado uma cooperativa médica que pode proteger a todos, menos ao médico. Veja uma diária hospitalar hoje e há oito anos. Quem protege quem? Os planos de saúde aprenderam que não temos tempo para reclamar e pagam o que querem, quando querem e se quiserem. Como descemos! Chegamos no nosso carrinho, cara de cansados, exaustos, na verdade, maltrapilhos e somos atendidos pelo gerente do plano de saúde: bem dormido, gravata, perfumado e de carrão zero às nossas custas. Burros de cangalha é o que somos! O Governo também aprendeu que não temos força para cobrar o que é de direito: retira gratificações, suspende pagamentos. É como se fôssemos isentos de obrigações financeiras.
Coitados de nós! Como descemos!!!
Temos medo de pedir um orçamento a um pintor ou pedreiro. Estamos apertados para pagar o colégio dos nossos filhos. Achamos que se continuarmos assim vamos acabar pagando para trabalhar. Estamos enganados! Já estamos pagando, pois as noites em claro nos renderam doenças e problemas de saúde que nossa aposentadoria do Estado de R$ 400,00 somados ao INSS de R$ 800,00, mais talvez uma previdência privada, não conseguem cobrir. Pagamos, porque a nossa ausência em casa na busca de manter um “padrão de vida”, não tem preço. Nossos filhos estão à mercê de drogas e maus exemplos, devido ao abandono. E como dizer aos nossos filhos para estudarem, pois vale a pena? Eles vêem o exemplo do pai que estudou tanto, fez tantos cursos, passou tantos concursos e tem uma qualidade de vida tão ruim. E aí vem o “Big Brother”, as novelas e pessoas que vivem melhor, até de forma ilícita. É difícil fazê-los compreender que os que nos mantêm em nossa profissão, o que nos alimenta a alma e o espírito são duas coisas: o amor pela prática médica e a incapacidade que temos de reverter todo o investimento que fizemos à mesma. Se o medo é de pagarmos para trabalhar, pode ficar ciente de que já estamos fazendo isso! Acho que deveríamos ser mais radicais e não aceitarmos imposições, pois sabemos que estamos totalmente certos!
Temos que ganhar melhor para atendermos melhor a nossos pacientes.
Temos que dormir bem, para atendermos melhor a nossos pacientes.
Temos que estudar e nos atualizar, para atendermos melhor a nossos pacientes.
Queira ou não, tudo isso depende de remuneração!
Está na hora de todos os Médicos do Brasil se unirem por melhores condições de trabalho e remuneração digna, atualizada!!! Chega de sermos escravos, humilhados !! Sem união, nada conseguiremos !! Um juiz salva a vida de alguém? Então por que essa disparidade de salários em relação ao nosso? Lembrem-se que somos nós quem temos a capacidade de salvar vidas, e vidas não tem preço!"
Algum tempo depois, outro médico e professor de cirurgia potiguar, Dr. Francisco Edílson Leite Pinto Jr., escreveu um artigo no qual ele ratifica as idéias do colega (http://www.natalpress.com/index.php?Fa=aut.inf_mat&MAT_ID=2921&AUT_ID=93 e http://aph.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=3&Itemid=2):
"Medicina no fundo do poço: o preço da desunião
“As crises fazem pensar. Os padecimentos pessoais e coletivos permitem o crescimento”.
Leonardo Boff
Após 13 anos de formado, dez dos quais dedicados ao ensino da medicina, achei que era hora de ter “uma conversa entre eu e mim mesmo” - como dizia Machado de Assis. E resolvi parar para refletir por que nós médicos deixamos que nossa profissão, a mais nobre missão da humanidade, chegasse ao fundo do poço.
Tem razão o caro amigo e médico ginecologista, Dr. Paulo Ezequiel, quando no seu brilhante, nos questionou: “Companheiros de profissão, por que descemos tanto?”. Talvez, ainda não tínhamos dado conta de que havíamos chegado ao fundo do poço, pois a crise é tão grande que levaram o poço e, mais ainda, a nossa dignidade profissional, nossa liberdade, nosso entusiasmo, nossos salários, e parte dos nossos sonhos.
Há cerca de dois anos, quando fui paraninfo da turma de medicina 2001.1, apontei diversos fatores que considerava relevantes para explicar a perda do prestígio da nossa profissão. Deixamos de ser profissionais liberais para sermos reféns de planos de saúde mercantilista, que só visam o lucro; aceitamos sem reclamar os honorários ridículos e aviltantes fornecidos pelo SUS como os R$2,40 pela consulta médica (hoje nos pagam é bem verdade melhor, passou para R$7,50); não denunciamos as péssimas condições de trabalho nem os falsos médicos que usam a medicina como comércio (vejam o exemplo da nossa cooperativa, onde apenas dez profissionais levam quase 10% de todo o faturamento); permitimos a perda do caráter humanístico, onde o “médico superespecialista é exímio em fazer muito bem o quê sem saber em quem”; além da inércia das nossas entidades médicas.
No final daquele discurso, enfatizei que somente a re-humanização da medicina pelas novas gerações de médicos poderia resgatar a nossa dignidade profissional. Acredito hoje, que não basta apenas, e somente, trazer amor aonde muito tem faltado, mas há, principalmente, necessidade de unir a classe médica. Temos que fazer a união das diferenças!
Chega a ser cômico quando somos acusados de corporativista, que segundo o Aurélio “É alguém que pratica o corporativismo que em última análise, trata-se da reunião de indivíduos para um fim comum”. Nenhuma classe é tão desunida quanto a classe médica, e o preço que pagamos por isso, pela desunião, é estarmos hoje no fundo do poço ou da caverna como queiram, já que vejo uma certa semelhança entre nós e os prisioneiros do livro VII da República de Platão.
Se não fosse a nossa desunião não estaríamos, há oito anos, sem aumento nos nossos salários, no Estado, aliás, tivemos foi uma redução já que em 1994, o médico ganhava em torno de 20 salários mínimos, porém, o “governador das águas”, fazendo valer o seu título, colocou por água abaixo o nosso aumento e, hoje, não ganhamos nem 05 salários por 20 horas semanais.
Se não fosse a nossa desunião não aceitaríamos trabalhar em péssimas condições como estamos trabalhando no maior Pronto-Socorro do nosso estado, o hospital Clóvis Sarinho, e o que é pior aceitamos até passivamente e pacificamente essa situação.
Se não fosse a nossa desunião não seríamos alvo tão fácil do apetite voraz de alguns advogados e pacientes que estão utilizando-se da “indústria do processo de erro médico” para nos retirar as últimas migalhas e também nossos últimos sonos e sonhos.
O filósofo Sören Kierkegaard comentava que “A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, embora ela deva ser vivida olhando para frente, isto é, para algo que não existe”.
Olho para trás e procuro a origem de toda essa desunião. Penso que a origem esteja mesmo no começo, nos bancos universitários. Aos estudantes de medicina é ensinado quase tudo, como diagnosticar e tratar as doenças da melhor forma possível, porém, esquecem de ensiná-los a importância da união entre eles, pois somente assim, seríamos fortes o bastante para lutarmos pelos nossos direitos: Trabalhar em condições dignas e receber dignamente por esse trabalho. Pelo contrário, falar em direitos e, principalmente, em remuneração médica, na Universidade, é tido como pecado.
Por isso, os médicos trabalham mal, ganham mal, vivem mal, tudo mal... Estamos infelizes. O escritor Rubem Alves certa vez escreveu “Que escolhemos ser médicos por desejarmos ser belos como o cavaleiro solitário, puros como o santo, e admirados como o feiticeiro”. Era isso que estava dentro de nós, quando tomamos a decisão de estudar medicina. Hoje, o médico perdeu sua aura sagrada, tornou-se um profissional como os outros e deixou de ser escolhido pelos seus pacientes não mais por respeito, gratidão e admiração, mas sim, por constar no catálogo do convênio.
Estamos tristes. E diante de toda essa tristeza lembro-me da frase do sociólogo alemão Max Weber: “Efetivamente para o homem, enquanto homem, nada tem valor a menos que ele possa executa-lo com entusiasmo”. Então, eu me pergunto como poderemos exercer a medicina com entusiasmo necessário se estamos no fundo do poço? A sociedade, tão exigente conosco e tão condescendente na escolha dos nossos representantes políticos, poderia responder essa questão. Com certeza, os nossos representantes políticos poderiam não só responder, como também resolver essa triste realidade, porém, eles só estão preocupados em olharem apenas para si mesmos ou para os seus próprios bolsos.
Agora olho para frente, aliás, olho para cima, já que estou no fundo do poço. Procuro uma saída. E só vejo uma alternativa que é através da nossa união. Para isso, teremos que deixar de lado a nossa inveja, buscar mais ainda o caminho da ética e procurar crescer sem tentar destruir o outro.
Penso que Leonardo Boff tem razão quando diz: “Os padecimentos pessoais e coletivos permitem o crescimento”. Afinal, precisávamos chegar ao fundo do poço (ou da caverna), para percebermos quanto é importante estarmos juntos e creio que, mais cedo do que possamos esperar, estaremos unidos, talvez ainda não pela nossa afinidade, mas sim pela necessidade. Necessidade de sairmos do poço e voltarmos a ser médicos.
Assim espero!"
Devido à minha falta de tempo e ao tardar da hora, só pude dar uma olhada superficial nos dois artigos. Em outra oportunidade, prometo que vou repetir tudo que já sabemos sobre as perspectivas de vida para os futuros médicos, mas vou dizer também o porquê de o aumento do número de cursos de medicina poder nos beneficiar. Enfim, não nos desesperemos, porque para tudo há uma saída.
Seja bem-vindo ao blog Consciência Acadêmica.
Impressões pessoais sobre notícias ou sobre episódios cotidianos, além de informações de utilidade pública.
quinta-feira, 13 de março de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário