Este texto é uma mensagem que enviei aos meus ex-companheiros de colégio.
Ano da graça de 1998. Um ano difícil de ser superado para todos nós. El Niño. Crises nas bolsas de valores e na economia brasileira. Seca no Nordeste, embora tenha chovido bastante em Fortaleza, no começo do ano. Recrudescimento da violência urbana, não necessariamente como hoje, mas já era preocupante. Gripe do frango. Titanic. Greves nas universidades federais. O fiasco na Copa do Mundo. Escândalo na Casa Branca. A reeleição de um presidente que deu continuidade a sua política apocalíptica. Privatizações de órgãos públicos em massa. O seqüestro do irmão de uma dupla sertaneja. Estes são exemplos de acontecimentos que marcaram um ano em que nada indicava um final feliz.
De tudo isso, o que mais me chamou a atenção foi lembrar que os meios de comunicação e um professor de história todo dia diziam a mesma coisa: "Hoje, saíram n milhões de dólares do Brasil." Deprimente, não é? Engraçado, se entra dinheiro no país, eu não ganho um centavo. Se ele sai, todo mundo perde.
A greve na Universidade Federal do Ceará poderia ter nos prejudicado. Falava-se em perda de um período letivo da universidade, caso a greve se alongasse demais. Se isso acontecesse, metade das vagas para o vestibular seguinte seria perdida. Felizmente, nossas vagas acabaram sendo mantidas.
Nunca o mundo me pareceu estar tão perto do fim. Grosso modo, era isso mesmo que eu desejava. Último ano de vida em um colégio. O ano seguinte, se é que ele existiria, ainda era uma incógnita. A vida fora do colégio também. Eu ainda não via uma luz no túnel. Só vislumbrava um cometa em rota de colisão com a Terra. O tempo estava passando cada vez mais rápido. O ar estava ficando pesado e tudo indicava que haveria uma grande explosão a qualquer momento. E houve mesmo.
Por isso, quando me lembro daqueles tempos, me lembro também de uma música dos Beatles chamada A Day in the life. A última faixa do LP Sargent Peppers Lonely Hearts Club Band (este disco foi lançado no dia do meu aniversário, mas alguns anos antes da minha chegada) apresenta uma série de exemplos de notícias do cotidiano e demonstra como isto interfere na rotina de uma pessoa, gerando um turbilhão em sua vida. Para imaginar esta sensação, é preciso ouvir a música, não adianta apenas ler a letra. O que mais me chama a atenção é que há dois momentos na canção que eu definiria como "sinfonias progressivas". Quem ouve tem a sensação de estar em um veículo em alta velocidade, prestes a colidir em algo, os conflitos internos e externos do cotidiano se somando, em uma espécie de "orgasmo sonoro", e tudo está prestes a explodir. O primeiro momento é apenas um sonho, e o despertador toca. Tudo pronto para mais um dia. Mas no segundo momento, tudo explode em um acorde de piano que passa vários segundos em ressonância. É o fim? Alguns segundos de silêncio e surgem pessoas conversando e uma mulher cantando a mesma coisa várias vezes. A vida continua.
Esta canção é uma metáfora do nosso tempo. A explosão realmente aconteceu. Não sei explicar precisamente quando e como ocorreu. Só sei que ocorreu, pois aquele mundo que existia e cujo fragmento foi parcialmente retratado no Livro do Ano já não existe mais. Tudo bem. O importante é que sobrevivemos e passamos a ver a vida com outros olhos, pois entramos em uma nova experiência de vida sem precedentes. Nunca mais fomos os mesmos. Existe vida após o colégio e o vestibular sim. Estou aqui para provar isto. Nossa Páscoa já chegou. A vida continua.
A quem interessar, eu deixo a letra da música a que me referi, com sua tradução, e os links para algumas versões dos videoclipes dela no Youtube.
http://www.youtube.com/watch?v=gZez_k4vAzU
http://www.youtube.com/watch?v=XWjVffR5EdM
A Day In The Life
I read the news today oh boy
About a lucky man who made the grade
And though the news was rather sad
Well I just had to laugh
I saw the photograph
He blew his mind out in a car
He didn't notice that the lights had changed
A crowd of people stood and stared
They'd seen his face before
Nobody was really sure if he was from the House of Lords.
I saw a film today oh boy
The English Army had just won the war
A crowd of people turned away
But I just had a look
Having read the book, I'd love to turn you on...
Woke up, fell out of bed,
Dragged a comb across my head
Found my way downstairs and drank a cup,
And looking up I noticed I was late.
Found my coat and grabbed my hat
Made the bus in seconds flat
Found my way upstairs and had a smoke,
and somebody spoke and I went into a dream
I read the news today oh boy
Four thousand holes in Blackburn, Lancashire
And though the holes were rather small
They had to count them all
Now they know how many holes it takes to fill the Albert Hall.
I'd love to turn you on.
Um Dia Na Vida
Eu li as notícias hoje, oh, garoto,
Sobre um homem de sorte que ganhou na Loteria
E apesar das notícias serem bem tristes
Bem, eu tive apenas que rir...
Eu vi a fotografia...
Ele estourou sua cabeça em um carro
Ele não percebeu que o sinal tinha fechado
Uma multidão de pessoas ficaram e olharam
Eles tinham visto seu rosto antes
Ninguém estava realmente certo se ele era do Senado
Eu vi um filme hoje, oh, garoto,
O exército inglês acabara de vencer a guerra
Uma multidão de pessoas foram embora
Mas apenas tive que olhar
Tendo lido o livro
Eu adoraria deixa-lo girando...
Acordei, saí da cama
Penteei o meu cabelo
Desci as escadas e tomei um café
e observando, eu notei que estava atrasado
Peguei meu casaco e coloquei meu chapéu
Peguei o ônibus rapidamente
Subi as escadas e fumei um "cigarro"
Alguém falou e eu entrei em um sonho
Ahhhhhhhhhhh
Eu ouvi as notícias hoje, oh, garoto,
Quatro mil buracos em Blackburn, Lancashire
E apesar dos buracos serem bem pequenos
Eles tiveram que contá-los um a um
Agora eles sabem quantos buracos são necessários para encher o Albert Hall
Eu adoraria deixá-lo girando...
Nenhum comentário:
Postar um comentário