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sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Crônica de uma tristeza anunciada

Estou transcrevendo aqui a seguinte mensagem enviada por e-mail porque não pude escrever nada sobre o Dia do Professor (que transcorreu semana passada), este profissional cada vez mais submerso no ostracismo. Decidi lembrar aos leitores a existência deles.

Colegas
Recebi de um colega Professor de Mossoró (RN) e fiquei comovida com a forma sincera e verdadeira com que ele expressa o que muitos de nós professores sentimos no dia a dia. Dia do Professor não é só celebração, é também um dia para análise do valor do nosso trabalho!

Abs

Gislene

De: Ítalo José Rebouças [mailto:italoreboucas@hotmail.com]
Enviada em: quarta-feira, 15 de outubro de 2008 12:55
Assunto: Desabafo

Amigos e amigas,

Escrevi um desabafo hoje. Não vou enviar para os jornais, como costumo fazer, porque, mesmo sendo um assunto de interesse de todos, é um desabafo muito pessoal.

Me incomoda pensar que muitos de vocês não irão ler. A vida apressada tira de vocês um 'tempo precioso'. Alguns acharão o texto extenso, e pularão, do início para o final. Me angustia pensar nisso...

Mas, ainda assim, cumpro o dever que minha consciência me obriga.

Abraço

Ítalo José Rebouças



CRÔNICA DE UMA TRISTEZA ANUNCIADA

Ítalo José Rebouças, Advogado e Professor Universitário

Hoje é dia 15 de novembro. Acordei cedo, tomei banho, tomei café e comecei o dia lendo os jornais, notícias e e-mails. A vida corre lá fora já apressada e eu aqui começo devagar. Nas primeiras notícias do dia, uma está em todas, dizem: “É um dia especial, é DIA DOS PROFESSORES.” Sou Professor, deve ser um dia especial pra mim também.
Nos e-mails, alguns de alunos atenciosos que enviam os “parabéns pelo seu dia Professor”, e um enviado diretamente do Reitor de uma Universidade na qual leciono. Como quem é acordado de um sono profundo, fui despertando para uma dura realidade, e ler aquilo não me alegrou, meu dia já tinha começado ruim...
Aos poucos uma profunda tristeza tomou conta de mim. Pronto! Justo hoje, DIA DO PROFESSOR, não serei mais o mesmo!
E lembro assim, como se já guardasse isso durante muito tempo presa na minha consciência, de uma tristeza em ser professor. Ouço Senadores na Televisão que estão prestando “homenagens” ao “Dia do Mestre”, apresentadores de TV que abrem o programa mandando “beijinhos” à todos os professores e isso só me deixa cada vez mais triste, chateado, decepcionado.
Eu falo de uma tristeza com o apoio inexistente, totalmente incompatível com a “cobrança” sempre presente. Falo da tristeza em não ter reconhecimento, absolutamente incoerente com a “exigência” que todo dia bate à minha porta, que escuto dos meus alunos, e até dos meus Diretores. Pedem “não falte a aula Professor”, “chegue no horário”, “cumpra seus deveres”, “entregue as provas”, “me dê um ponto”, “me ajude a passar”, e não sabem, com o mesmo espírito responsável exigir “apóiem o professor” “dêem a ele condições de criar, produzir, pesquisar, estudar”, ou, até mesmo “paguem à ele uma remuneração digna, suficiente para estimular e gerar o espírito de alegria”.
Já presenciei “abaixo-assinados” de alunos que pediam “ar-condicionado melhor”, “cadeiras mais confortáveis”, “estacionamento”, “água gelada servida nas salas”, mas nunca, me deparei com um aluno ou Diretor solidário que dissesse: “Vamos aumentar sua remuneração, dar a você um reconhecimento financeiro adequado, condizente com as exigências que fazemos, e queremos você cada vez mais feliz e empolgado.”
Nunca.
E hoje, DIA DO PROFESSOR, escrevo essa crônica desabafo, apenas para os amigos, aqueles que me conhecem de perto, conviveram comigo e não tenho medo que me interpretem mal.
Depois de terminar a graduação, resolvi servir à Academia. Fiz minha escolha. Primeiro uma pós-graduação, produzi trabalhos científicos, apresentei trabalhos em congressos locais, regionais, nacionais e internacionais. Fui a Europa, estudei, me qualifiquei, até partir para o Doutorado, também no exterior e todo santo dia quando acordo, me cobro um pouco mais, porque sei que sempre é possível fazer mais.
Hoje, dando aulas em duas Faculdades particulares, ganho menos de um salário mínimo em uma, e pouco mais de um salário mínimo em outra. E sou Professor de Universidade. Meu pai tem tanto orgulho de dizer isso do filho dele!
Sei que comparações absurdas não devem ser feitas, mas essa semana conheci dois garis que trabalhavam aqui na minha rua, os dois não tinham nem o ensino médio. “Só o supretivo Dr”, disse um deles...e os dois ganham mais de um salário mínimo. Olhei para dentro de mim mesmo, 5 anos na Faculdade, 2 de pós-graduação, 4 de Doutorado, e falo com eles com o mesmo “contra-cheque”. Não quero desmerecê-los, não seria justo, cada um tem seu valor. E, pelo visto, os valores se equivalem. Meus diretores e Reitores devem saber disso.
Esse semestre, como todo semestre, resolvi criar algo diferente para os meus alunos. Iríamos à favela, divulgar e ensinar sobre a Constituição. Eu estava empolgado em imaginar ver aqueles jovens pisando o solo da favela e dialogando com jovens pobres que nunca estudaram e querem saber que “tal Constituição é essa que eu nunca ouvi falar”. Um grupo de alunos foi ao Coordenador, e reclamou, disseram: O que nós temos a ver com isso? Queremos aula...
E eu fui para a sala de aula, esperar os parabéns do dia 15 de outubro. Parabéns Professor, você merece.
Enquanto escrevo estas linhas desabafos, e me critico por estar aqui fazendo isso, recebo telefonema de uma aluna. Aluna espetacular, daquelas que o professor sonha que se multipliquem. Animada e feliz ela diz: Liguei apenas pra dar os parabéns, você merece” É Ângela, devo merecer mesmo.
Essa tristeza já era anunciada. Não havia a menor expectativa de outra coisa acontecer. Tudo levava a isso. O apoio inexistente, as cobranças exageradas, os “pedidos de ajuda” que são na verdade um “pedido de socorro” dos alunos que transferem responsabilidade ao professor, a remuneração irrisória, mínima, abaixo do mínimo, as reclamações, a ausência total de reconhecimento...só poderia levar a isso.
Hoje é DIA DO PROFESSOR, e este Professor de 26 anos, está cansando, triste, e a vida mal começou. Hoje é Dia do Professor e eu tenho que ir dar aula, porque não se pode parar, a vida corre, muito, exige, muito, os alunos aguardam, ansiosos, e sempre atentos às suas necessidades, e as do Professor..ah, essa é com ele. No máximo, a gente manda os “parabéns no dia 15”.


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