De que adiantaria o pais crescer economicamente se os seus cidadãos não crescessem? De que valeria o país enriquecer e seu povo ficar cada vez mais pobre? De que adianta pensar em tudo isso agora com uma crise internacional em progressão???
PAC pode ameaçar direitos humanos
São Paulo - As políticas de crescimento econômico do Brasil não podem continuar desvinculadas dos direitos humanos. O alerta é da Anistia Internacional, que, no seu relatório anual sobre direitos humanos em 150 países, demonstra preocupação com as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Leia o relatório no final da matéria.
- Nós reconhecemos a importância do crescimento econômico brasileiro neste momento, mas nos preocupa muito a falta de garantias de direitos humanos básicos em meio a este processo - disse o britânico Tim Cahill, pesquisador da Anistia para o Brasil.
"Nós reconhecemos a importância do crescimento econômico brasileiro neste momento, mas nos preocupa muito a falta de garantias de direitos humanos básicos em meio a este processo"
Segundo o texto da Anistia, organizações não-governamentais brasileiras "manifestaram preocupação pelo impacto causado por projetos de pavimentação de estradas e de construção de represas próximo a terras indígenas". A entidade também alerta para os riscos de ampliação das fronteiras agrícolas, sem respeito aos direitos humanos dos trabalhadores.
A edição do relatório destaca que em 2008, exatos 60 anos após a Declaração Universal dos Direitos Humanos ter sido firmada pela ONU, cidadãos ainda são torturados em pelo menos 81 países - incluindo o Brasil - além de sofrerem julgamentos injustos em 54 países e estarem proibidos de se expressar em outros 77 países.
A organização internacional dedica cinco páginas de seu relatório mundial ao Brasil. E diz que grupos de extermínio organizados pelas próprias polícias, principalmente em São Paulo, continuam atuando.
ONG denuncia exploração de cortadores de cana
A Anistia relata a tortura e a injustiça nas prisões em todo o país, a exploração dos cortadores de cana-de-açúcar, principalmente em São Paulo, e de indígenas nos canaviais do Mato Grosso do Sul.
Também ganha destaque no documento o fato de o Brasil continuar sendo "um dos únicos países da região que não contestou as leis que deram imunidade às autoridades do regime militar", mantendo torturadores impunes.
Relatório diz que resposta do governo é confusa
O relatório afirma ainda que nas comunidades carentes, as pessoas vivem encurraladas entre criminosos que dominam seus bairros e polícias que violentam e discriminam. "A resposta do governo federal e dos governos estaduais à violência criminal foi confusa", diz o documento, lembrando que o presidente Lula lançou o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) para melhorar salários de policiais, reabilitar prisioneiros.
"É evidente que temos muitos problemas ainda e que o desafio dos direitos humanos precisa ser priorizado no crescimento econômico"
O relatório também faz elogios às políticas do governo. Ganha destaque o documento sobre os 475 casos de tortura e desaparecimentos do governo militar, elaborado pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos no livro "Direito à memória e à verdade.
O ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, destacou os elogios ao país no documento, mas reconheceu que o Brasil ainda não respeita completamente a Declaração Universal:
- Nós não tapamos o sol com a peneira. É evidente que temos muitos problemas ainda e que o desafio dos direitos humanos precisa ser priorizado no crescimento econômico. Onde houver obras do PAC, por exemplo, teremos realmente que ter programas sociais e acompanhamentos específicos - disse.
Discurso do Brasil não condiz com realidade interna, diz Anistia
O Brasil corre o risco de perder credibilidade na comunidade internacional porque o seu discurso como defensor dos direitos humanos não condiz com as realizações do governo nessa mesma área dentro do país, segundo a Anistia.
O relatório da entidade questiona a atuação do país e de outros emergentes - principalmente entre os que buscam um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU - em instâncias internacionais, se colocando como fortes defensores de direitos humanos.
"Países como o Brasil e o México têm tido posições fortes em defender direitos humanos internacionalmente e em apoiar o sistema da ONU. Mas, a não ser que a distância entre as políticas internacionais desses governos e o seu desempenho doméstico seja diminuída, a credibilidade desses países como defensores de direitos humanos será questionada", diz o documento.
Fonte: O Globo Online
Reportagem: Soraya Aggege.
Anistia Internacional aponta existência de trabalho forçado em canaviais no Brasil
Rio de Janeiro - Relatório da Anistia Internacional, divulgado nesta quarta-feira (28.05) em Londres, aponta a existência de trabalho forçado no setor canavieiro, principalmente nos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Também foi verificada exploração de indígenas nos canaviais sul-matogrossenses, onde vivem "em condições extremamente precárias e insalubres".
Segundo o pesquisador da organização sobre temas relacionados ao Brasil, Tim Cahill, a impunidade ajuda a tornar a situação ainda mais grave. Como exemplo do problema, ele citou o caso da morte da missionária norte-americana Dorothy Stang, no Pará, em fevereiro de 2005. O fazendeiro acusado de ter sido o mandante do crime havia sido condenado a 30 anos de prisão, mas foi absolvido em segundo julgamento, no dia 6 de maio deste ano.
"A falta de punição das pessoas que cometem crimes contra os direitos humanos é a base do problema, porque, sem esse reconhecimento, não haverá mudança. Nós reconhecemos isso também na área da tortura e das execuções sumárias cometidas por policiais", afirmou.
Ainda em relação à impunidade, o relatório destaca o fato de o Brasil "continuar sendo um dos únicos países da região a não contestar as leis que deram imunidade às autoridades do regime militar responsáveis por graves abusos dos direitos humanos, como tortura".
O documento destaca, no entanto, que houve no país o reconhecimento oficial de que esses abusos foram cometidos durante o regime militar (1964 - 1985), mas critica o fato de que alguns arquivos militares tenham permanecido secretos e que familiares continuem a procura por restos mortais de vítimas "que o Estado dez desaparecer naquele período".
Fonte: Agência Brasil.
Reportagem: Thaís Leitão.
ANISTIA INTERNACIONAL - RELATÓRIO ANUAL - 2008
BRASIL
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
Chefe de Estado e de governo: Luiz Inácio Lula da Silva
Pena de morte: abolicionista para crimes comuns
Tribunal Penal Internacional: ratificado
População: 191,3 milhões
Expectativa de vida: 71,7 anos
Mortalidade de crianças até 5 anos (m/f): 34/26 por mil
Taxa de alfabetização: 88,6 por cento
Os moradores das comunidades marginalizadas continuaram a viver em meio a níveis extremamente elevados de violência, praticada tanto por grupos criminosos organizados quanto pela polícia. As operações policiais realizadas nessas comunidades resultaram em milhares de mortos e de feridos, geralmente intensificando a exclusão social. Grupos de extermínio ligados à polícia também foram responsáveis por centenas de assassinatos.
O sistema de justiça criminal falhou em seu dever de fazer com que os responsáveis por abusos prestem contas de seus atos. Infligiu ainda uma série de violações de direitos humanos às pessoas detidas em suas prisões e centros de detenção juvenis superlotados e exauridos de recursos. As mulheres detidas em penitenciárias ou em celas policiais continuaram sendo vítimas de tortura e de maus-tratos. Ativistas rurais e povos indígenas que realizam campanhas por acesso à terra foram ameaçados e atacados por policiais e por seguranças privados. Houve denúncias de trabalho forçado e de exploração do trabalho em diversos estados, inclusive no setor canavieiro em expansão.
O governo federal introduziu um novo plano de combate à violência urbana, consolidou o seu programa para os defensores dos direitos humanos e criou um órgão independente para prevenção da tortura.
Informações gerais
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciou seu segundo mandato em janeiro de 2007, quando também tomaram posse os novos governadores eleitos nos estados. O principal sustentáculo da política do governo federal foi o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), voltado a melhorias na infra-estrutura básica, como rede viária, instalações portuárias e saneamento, bem como ao financiamento de diversos programas sociais. Organizações não-governamentais brasileiras manifestaram preocupação pelo impacto causado por projetos de pavimentação de estradas e de construção de represas próximo a terras indígenas. O programa de redistribuição de renda do governo federal, o Bolsa Família, contribuiu para a redução da pobreza extrema.
Em novembro, pela primeira vez, o Brasil foi incluído em uma lista de países com alto índice de desenvolvimento humano, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Escândalos de corrupção atribularam tanto o governo federal quanto os governos estaduais. Importantes investigações da Polícia Federal descobriram esquemas criminosos envolvendo jogos ilegais, suborno e fraudes em contratos governamentais superfaturados. Entre os fundos desviados, estavam verbas federais destinadas a projetos sociais e de infra-estrutura em dois dos estados mais pobres do Brasil: Maranhão e Piauí.
O governo federal criou um órgão independente para a prevenção da tortura, em conformidade com o Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra a Tortura, ratificado pelo Brasil no mês de janeiro. O órgão possui poderes para fazer visitas a prisões e a delegacias de polícia sem necessidade de aviso prévio. Em agosto, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos publicou o livro Direito à Memória e à Verdade. A obra faz um levantamento detalhado de 475 casos de tortura e de desaparecimentos ocorridos no período do governo militar (1964-1985) e marca o reconhecimento oficial de que foram cometidos abusos de direitos humanos durante o regime. No entanto, alguns arquivos militares permaneceram secretos e os familiares tiveram de continuar sua procura pelos restos mortais das vítimas que o Estado fez desaparecer naquele período. O Brasil continuou sendo um dos únicos países da região que não contestou as leis que deram imunidade às autoridades do regime militar responsáveis por graves abusos dos direitos humanos, como tortura.
Polícia e serviços de segurança
As comunidades carentes continuaram encurraladas entre as gangues de criminosos que dominam as áreas em que elas vivem e os métodos violentos e discriminatórios usados pela polícia. Em conseqüência disso, muitos dos que moram nessas comunidades vivenciaram intensas privações sociais e econômicas. A resposta do governo federal e dos governos estaduais à violência criminal foi confusa. O governo federal lançou o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), voltado à prevenção do crime, à inclusão social, à reabilitação de prisioneiros e à melhora dos salários dos policiais. Entretanto, apesar dos relatos abundantes de violações de direitos humanos cometidas pela polícia, o Presidente Lula e outras autoridades de seu governo apoiaram publicamente certas operações policiais militarizadas de grande repercussão, especialmente no Rio de Janeiro.
Nos estados, apesar de alguns governadores terem prometido reformas, a maioria das forças policiais estaduais continuou a adotar métodos violentos, discriminatórios e corruptos no combate e na repressão ao crime nas comunidades carentes, com escassa supervisão ou controle. Em nenhum outro lugar isso foi tão evidente quanto no Rio de Janeiro, onde as promessas de reforma foram abandonadas e o governador passou a adotar uma postura pública cada vez mais draconiana e belicosa nas questões de segurança. A política de realizar operações policiais militarizadas de grande escala foi intensificada à custa de centenas de vidas. Segundo dados oficiais, a polícia matou ao menos 1.260 pessoas no estado em 2007 – o maior número até agora. Todas as mortes foram classificadas como "resistência seguida de morte" e tiveram pouca ou nenhuma investigação séria.
Houve dezenas de mortes e uma enorme quantidade de feridos durante as operações policiais realizadas no Complexo do Alemão – um aglomerado de 21 comunidades socialmente excluídas, na zona norte do Rio de Janeiro, onde vivem mais de 100 mil pessoas – e na vizinha Vila da Penha. Milhares de pessoas tiveram de enfrentar o fechamentode escolas e de postos de saúde, bem como cortes no fornecimento de água e de energia elétrica. Durante as operações,houve denúncias de execuções extrajudiciais,espancamentos, vandalismo e roubo cometidos por policiais. Membros da comunidade disseram que um veículo blindado da polícia (o caveirão) era usado como uma unidade móvel dentro da qual os policiais aplicavam choques elétricos e praticavam espancamentos.
A ação repressiva culminou com uma "mega-operação", realizada no final de junho, envolvendo 1.350 policiais civis e militares e membros da Força Nacional, a força de elite do governo federal. A polícia matou ao menos 19 supostos criminosos, um deles com 13 anos de idade, e dezenas de transeuntes foram feridos. Foram apreendidas 13 armas e uma quantidade de drogas. Ninguém foi preso. A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio de Janeiro, e a Secretaria Especial de Direitos Humanos do governo federal declararam que investigações independentes dos relatórios forenses oficiais apontaram fortes indícios da ocorrência de execuções sumárias. O relator especial da ONU sobre execuções sumárias, arbitrárias ou extrajudiciais, que visitou o Rio de Janeiro em novembro, criticou a falta de investigações oficiais sobre os assassinatos e concluiu que a operação teve motivação política.
Em outubro, uma operação da Polícia Civil na favela da Coréia, em Senador Camará, zona oeste do Rio, deixou 12 mortos: um menino de quatro anos,que teria sido atingido por fogo cruzado, um policial e10"suspeitos",um deles de 14 anos. Imagens aéreas exibidas pela televisão em rede nacional mostraram dois homens tentando fugir do local enquanto eram alvo de tiros disparados de um helicóptero que os seguiu até serem mortos. Milícias parapoliciais, formadas por policiais e bombeiros fora de serviço, continuaram a dominar uma grande parte das favelas do Rio de Janeiro.
Em abril, Jorge da Silva Siqueira Neto, presidente da Associação de Moradores da Favela Kelson's, na Penha, dominada pelas milícias, foi obrigado a abandonar o bairro após receber ameaças de morte. Ele acusou cinco policiais militares de terem assumido "poderes ditatoriais" dentro da comunidade e fez denúncias à Corregedoria da Polícia, à Secretaria de Segurança Pública e ao Ministério Público. Três dos policiais foram detidos administrativamente, sendo soltos em seguida, no início de setembro. Quatro dias depois, Jorge da Silva Siqueira Neto foi morto a tiros.
Um inquérito foi aberto, mas até o fim do ano não havia progressos. Em São Paulo, mais uma vez, as autoridades estaduais anunciaram redução nos números oficiais de homicídios policiais, embora esses dados tenham sido contestados. As violações de direitos humanos nas mãos de policiais, no entanto, continuaram. Em dezembro, no município de Bauru, Carlos Rodrigues Júnior, de 15 anos, segundo informações, foi torturado e morto por vários policiais militares dentro de sua própria casa. De acordo com os laudos forenses, ele levou 30 choques elétricos enquanto era interrogado sobre o roubo de uma motocicleta. Seis policiais estavam detidos provisoriamente no final do ano.
Grupos de extermínio
Em São Paulo, nos primeiros 10 meses de 2007, foram registradas 92 mortes em chacinas ligadas a grupos de extermínio – a maioria na zona norte da cidade. Nas cidades de Ribeirão Pires e Osasco, policiais estavam sendo investigados em conexão com as mortes de mais de 30 pessoas. Assassinatos cometidos por grupos de extermínio também foram registrados em outros estados, sobretudo Rio de Janeiro (especialmente na Baixada Fluminense), Espírito Santo, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará.
Em agosto, Aurina Rodrigues Santana, seu marido, Rodson da Silva Rodrigues, e seu filho, Paulo Rodrigo Rodrigues Santana Braga, foram mortos a tiros por um grupo de homens encapuzados enquanto dormiam em sua casa, no bairro de Calabetão, em Salvador, na Bahia. O ataque aconteceu depois que a família denunciou que seu filho e sua filha, de 13 anos, foram torturados por quatro policiais militares.
Um acontecimento positivo ocorreu em abril, quando a Polícia Federal desarticulou um grupo de extermínio que agia no Estado de Pernambuco e que teria sido responsável pelas mortes de mais de mil pessoas num período de cinco anos. Outro grupo de extermínio foi desarticulado em novembro, quando foram presas 34 pessoas, entre as quais policiais, advogados e comerciantes.
Prisões–tortura e outros maus-tratos
Superlotação extrema, condições sanitárias precárias, violência entre gangues e motins continuaram a deteriorar o sistema prisional. Maus-tratos e tortura foram corriqueiros. Em agosto, 25 detentos foram queimados até a morte na penitenciária de Ponte Nova, em Minas Gerais, durante uma briga entre facções. No Espírito Santo, em meio a acusações de tortura e de maus-tratos, o governo impediu que oConselhoEstadual de Direitos Humanos (CEDH) –um órgão com mandato oficial que, segundo a legislação estadual, tem poderes para monitorar o sistema prisional – entrasse nas celas.
Mais de 20 pessoas morreram em 2007 no Presídio Aníbal Bruno, em Pernambuco. A prisão, que tem um problema crônico de falta de funcionários e que abriga um número de prisioneiros mais de três vezes acima da sua capacidade, há muito tem sido alvo de denúncias de tortura e de maus-tratos. Em todo o Brasil, as condições dos centros de detenção juvenil continuaram a ser motivo de preocupação. Houve novas denúncias de superlotação, de espancamentos e de maus-tratos. A diretora da Fundação Casa (antiga Febem), em São Paulo, foi afastada do cargo por meio de uma decisão que criticava a unidade Tietê pela higiene precária e pelas condições das acomodações abaixo do padrão. A demissão foi posteriormente revogada pelo Tribunal de Justiça do estado.
Violência contra a mulher
Os casos processados sob a Lei Maria da Penha, de 2006, que criminaliza a violência doméstica, começaram a chegar aos tribunais em 2007. Apesar de a lei representar um grande avanço, a falta de recursos, as dificuldades para cumprir ordens de exclusão e a precariedade dos serviços de apoio foram obstáculos à sua efetiva implementação.
A ausência de proteção do Estado nas comunidades marginalizadas expôs as mulheres à violência tanto dos criminosos quanto da polícia. Nas comunidades controladas por traficantes de drogas, as mulheres sofreram discriminação, violência e não tiveram acesso a serviços básicos. Há informações de mulheres que tiveram de raspar a cabeça por serem consideradas infiéis, que foram expulsas das comunidades por serem HIV positivas e que foram forçadas a fazer favores sexuais para pagar dívidas. Geralmente, elas tinham muito medo de fazer denúncias. As mulheres que lutavam por justiça em nome de familiares mortos pela polícia eram freqüentemente ameaçadas e intimidadas.
As mulheres representam uma parcela pequena, mas crescente, da população carcerária; suas necessidades, porém, têm sido constantemente negligenciadas. Tortura, espancamentos e abuso sexual foram relatados em delegacias de polícia e em celas prisionais. Em novembro, uma menina de 15 anos, acusada de um pequeno furto, foi presa em uma delegacia de polícia na cidade de Abaetetuba, no Pará. Ela foi forçada a dividir uma cela com cerca de 20 a 30 homens pelo período de um mês. Ela foi estuprada repetidamente, segundo informações, em troca de comida. Quando o fato veio à público, os policiaisa teriam ameaçado e ela, então, foi mantida sob proteção. Sua família também teria sido ameaçada pela polícia e passou a integrar um programa de proteção a testemunhas. O caso recebeu uma ampla cobertura da imprensa e diversos órgãos federais abriram investigações, o que revelou a existência de vários casos de mulheres vítimas de graves violações de direitos humanos em outros locais de detenção.
Disputas por terra
Prosseguiu a violência nas áreas rurais, geralmente em situações de disputa que opunham, de um lado, grandes proprietários de terra e, de outro, trabalhadores rurais sem terra e povos indígenas ou quilombolas. A expansão da monocultura, como as plantações de soja e de eucaliptos, a extração ilegal de madeiras e a mineração, juntamente com projetos de desenvolvimento, como a construção de represas e o projeto de desvio do Rio São Francisco, estiveram entre as principais fontes de conflito. Houve sérias preocupações também com as condições de exploração das pessoas que trabalham com o desmatamento e com a produção de carvão vegetal, bem como no setor canavieiro.
Aumentaram as expulsões forçadas, geralmente envolvendo ameaças e intimidações. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), de janeiro a setembro de 2007 foram expulsas 2.543 famílias em todo o Brasil, um aumento significativo com relação a 2006. Em novembro, trabalhadores rurais que ocupavam uma fazenda próxima ao município de Santa Teresa do Oeste, no Paraná, foram atacados por 40 homens armados que teriam sido contratados por uma empresa de segurança a serviço da companhia multinacional suíça proprietária da terra. Eles mataram o líder sem-terra Valmir Motta de Oliveira com um tiro no peito. Um segurança da empresa também foi morto a tiros em circunstâncias incertas. Outras oito pessoas foram feridas no ataque, entre elas Izabel Nascimento, espancada até perder os sentidos. O assassinato se enquadra em um padrão de violência e intimidação há muito perpetrado pelas milícias rurais no Paraná.
Casos de trabalho forçado foram relatados por todo o país. Em dezembro, o Ministério do Trabalho atualizou sua relação de empregadores que sujeitavam trabalhadores a condições de exploração. A lista incluía 185 empregadores de 16 estados, envolvendo não apenas trabalhadores utilizados em atividades de desmatamento ou de cultivo da fronteira agrícola do Cerrado e da Amazônia, como também trabalhadores empregados na produção de monoculturas em estados mais abastados como São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
Prosseguiu a exploração no crescente setor canavieiro. Em março, procuradores da Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho de São Paulo resgataram 288 pessoas que faziam trabalhos forçados em seis plantações de cana-de-açúcar no estado. No mesmo mês, 409 trabalhadores, 150 dos quais eram índios, foram resgatados da destilaria de etanol Centro Oeste Iguatemi, no Mato Grosso do Sul. Em novembro, equipes de inspeção encontraram 831 índios que trabalhavam no corte de cana alojados em condições extremamente precárias e insalubres, em uma fazenda no município de Brasilândia, também no Mato Grosso do Sul.
Mais de mil pessoas que trabalhavam em condições análogas à escravidão foram libertadas de uma fazenda de cana da empresa produtora de etanol Pagrisa, em Ulianópolis, no Pará. Após a autuação, uma comissão do Senado acusou os inspetores de exagerarem a precariedade da situação dos trabalhadores. Em conseqüência, as operações do grupo de fiscalização foram temporariamente suspensas pela Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego devido a temores de que as alegações pudessem comprometer a credibilidade da atuação do grupo de fiscalização. As inspeções foram retomadas em outubro.
O governo adotou algumas medidas para melhorar as condições de trabalho no setor canavieiro. No Estado de São Paulo, que responde por mais de 60 por cento da produção de cana do Brasil, o Ministério Público do Trabalho tomou a iniciativa de dar início a inspeções e de instaurar processos. No âmbito federal, o governo prometeu introduzir um esquema de credenciamento social e ambiental voltado à melhoria das condições de trabalho e à redução do impacto ambiental.
Povos indígenas
O Estado do Mato Grosso do Sul continuou sendo um foco de violência contra os povos indígenas. Em janeiro, Kuretê Lopes, uma mulher indígena Guarani-Kaiowá de 69 anos de idade, morreu ao levar um tiro no peito, disparado por um segurança privado, durante a evacuação de uma área cultivável que os Guarani-Kaiowá ocupavam, pois afirmavam ser sua terra ancestral. Em setembro, quatro lideranças Guarani-Kaiowá envolvidas na ocupação foram sentenciadas por tribunais estaduais a 17 anos de prisão pelo suposto roubo de um trator, uma sentença que as ONGs locais consideraram desproporcional, discriminatória e politicamente motivada. No final do ano, um recurso ainda era aguardado.
Em junho, o líder indígena Ortiz Lopes foi morto a tiros em sua casa no município de Coronel Sapucaia. Ao efetuar os disparos, o pistoleiro teria dito a Ortiz Lopes que estava a mando de fazendeiros que queriam resolver uma disputa. Ativo defensor do direito às terras dos Guarani-Kaiowá, Lopes já vinha sendo ameaçado de morte. Em agosto, o governo federal anunciou sua decisão de declarar 11.009 hectares na região de Aracruz, no Espírito Santo, como terras indígenas. A decisão foi tomada após uma longa disputa envolvendo os povos Guarani e Tupinikim e uma empresa produtora de celulose.
Impunidade
Devido às falhas existentes em todos os estágios do sistema de justiça criminal, os violadores de direitos humanos desfrutaram de uma impunidade que só foi exceção em casos com ramificações internacionais. As autoridades tomaram providências para investigar, processar e condenar os responsáveis pelo assassinato da irmã Dotothy Stang, uma missionária dos EUA, ocorrido em fevereiro de 2005. Em maio, Vitalmiro Bastos de Moura, o fazendeiro acusado de ser o mandante do crime, foi sentenciado a 30 anos de prisão. Em outubro, Rayfrandas Neves Sales, um dos pistoleiros envolvidos, foi sentenciado a 27 anos de prisão. Porém, o tribunal de justiça anulou o julgamento e ordenou que fosse refeito.
Procedimentos judiciais como esse, no entanto, continuam sendo raros em um estado onde a impunidade é a regra para os casos de violência rural. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, dos 814 casos de assassinato entre os anos de 1971 e 2006, no Estado do Pará, 568 permanecem não solucionados. Entre 92 casos criminais, houve apenas uma condenação. Durante a onda de violência provocada por grupos criminosos no Estado de São Paulo, em maio de 2006, a polícia matou mais de 100 pessoas que seriam supostos criminosos; em outros 87 casos há indicações do envolvimento de grupos de extermínio com ligações com a polícia. Segundo o Ministério Público estadual, até o final de 2007 ninguém havia sido processado.
Defensores de direitos humanos
O programa de defensores de direitos humanos do governo federal criou um órgão de coordenação nacional. Porém, tanto a falta de recursos quanto a falta de coordenação continuaram a atrapalhar a implementação do Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos. Defensores continuarama ser ameaçados e intimidados. O líder indígena Marcos Ludison de Araújo (Marcos Xucuru) recebeu ameaças no mês de julho. Devido a uma longa história de intimidações por parte da Polícia Federal, um órgão com responsabilidade constitucional de garantir proteção, Marcos Xucuru decidiu então solicitar proteção a membros de confiança da Polícia Militar – uma medida prevista conforme as regras do programa de defensores.
Entretanto, ele permaneceu em perigo por vários meses enquanto ocorriam as negociações entre o governo estadual e o federal. Márcia Honorato, funcionária de uma ONG que diversas vezes denunciou as atividades de grupos de extermínio na Baixada Fluminense, uma região extremamente violenta próxima ao Riode Janeiro, recebeu uma sériede ameaças de morte, tendo, em uma ocasião, uma arma apontada para sua cabeça.
Visitas e relatórios da Al
Representantes da Anistia Internacional visitaram o Brasil em maio e junho.
Brasil: "De ônibus queimados a caveirões": a busca por segurança humana.
Brasil: Submissão à Revisão Periódica Universal da ONU - Primeira sessão do Grupo de Trabalho RPU, 7-11 de abril de 2008.
Fonte: Anistia Internacional.
http://portal.cremepe.org.br/publicacoes_noticias_ler.php?cd_noticia=2200.
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quarta-feira, 29 de outubro de 2008
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Um comentário:
Olá YnoT,
Gostei da postagem, muito boa mesmo. Mas, só li a primeira parte.
Se você quiser assistir a um vídeo interessante, mande uma mensagem por e-mail, o meu está no blog, e te mando o link.
Um abraço!!!
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