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sábado, 1 de março de 2008

Gestus Mentis


    Este é um nome bem original e sugestivo. Na verdade, é uma sigla que significa Grupo de Estudos em Saúde Mental Interdisciplinar de Sobral. Era uma espécie de projeto de pesquisa e extensão em saúde mental do qual eu fazia parte e que funcionou em nossa faculdade até meados do ano passado. Entre nossas atividades, estava o esclarecimento de conceitos em saúde mental para a comunidade leiga através de artigos que publicávamos no jornal semanal Expresso do Norte, em Sobral. Se eu tivesse tempo, eu tentaria criar uma liga de psiquiatria ou coisa parecida para tentar substituir o Gestus, porque ele está fazendo falta.

Para homenagear o lendário Gestus Mentis, tão bem capitaneado pelo Prof. Dr. Tófoli, vou publicar no blog alguns dos artigos que eu escrevi pelo grupo para o jornal. O primeiro, você pode considerá-lo uma dica de livro. É um comentário sobre um conto escrito por Machado de Assis que faz uma crítica à assistência à saúde mental no Brasil até o século XIX. Você pode ler o texto original que eu escrevi e em seguida o texto editado para ser publicado no jornal, em julho de 2006. Em outra ocasião, vou redigir uma postagem sobre a Reforma Sanitária Brasileira, incluindo a Reforma Psiquiátrica.


 

Antipsiquiatria: um bom exemplo na Literatura Brasileira

    

Tony Harrison Oliveira Nascimento

Acadêmico de Medicina (UFC-Sobral),

membro do Gestus Mentis, projeto de extensão da UFC.


 

Antipsiquiatria é um movimento oriundo da Grã-Bretanha, nos anos 60, em oposição à psiquiatria ortodoxa, que seria um instrumento de dominação imposto pela sociedade àqueles que se desviassem de suas normas a respeito da saúde mental. A antipsiquiatria questiona a validade da psiquiatria como metodologia científica de tratamento da doença mental, além do próprio papel do psiquiatra, considerando constrangedora a sua postura na relação com o paciente, e, portanto, insuficiente no processo de cura da enfermidade psíquica. Ela foi a mola propulsora da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial que se estendem até o presente.

Ainda no século XIX, a antipsiquiatria já era referenciada no conto "O Alienista", de Machado de Assis. A história se passa na vila de Itaguaí, interior do Rio de Janeiro, final do século XVIII, onde um médico português chamado Simão Bacamarte se instala e se dedica ao estudo de saúde mental, sendo por isso chamado alienista, denominação equivalente a de psiquiatra. Com o apoio do poder público, consegue construir a primeira casa de orates (manicômio) do Brasil, que acaba sendo chamada de Casa Verde. Seu grande objetivo é determinar os limites entre a razão e a loucura. Para isso, ele usa a população de Itaguaí como amostra de sua pesquisa. Ele observa o comportamento de cada pessoa e manda internar na Casa Verde aquelas que apresentem um padrão de comportamento que ele considere desvio de personalidade, como no caso de um cidadão que perde toda a sua fortuna emprestando dinheiro sem cobrar de volta. Sua pesquisa é puramente experimentalista. Não há bastantes detalhes sobre a terapêutica empregada na Casa Verde. Parece que o alienista apenas manda os "dragões" (a polícia da época) recolherem os supostos loucos e confiná-los na Casa Verde para ver o que lhes acontece. A Câmara Municipal do lugar não apenas o autoriza a fazer isso como determina que os cofres públicos banquem a maioria das internações. São, respectivamente, um exemplo de medicalização da sociedade e uma prévia de um momento do século XX em que o Estado subsidiaria a construção de hospitais e clínicas particulares, além de custear internações, muitas vezes desnecessárias, naquelas instituições. Isto causa revolta na população, principalmente quando o número de internos da Casa Verde atinge cerca de três quartos da população da vila. Então o alienista faz uma conclusão lógica: se mais da metade de sua amostra apresenta desvios de conduta, é porque esses desvios são normais no ser humano. Loucos são, portanto, os que não possuem tais desvios.


 

Este conto machadiano não é apenas uma crítica à psiquiatria da época. É uma crítica ao cientificismo do século XIX, muito presente na corrente literária naturalista. O alienista é uma caricatura de cientistas da época, homens que falavam demais, demonstrando ter muitos conhecimentos, mas não sabiam como prová-los e empregá-los. É a deformação do "cientista" que toma como verdade absoluta os pressupostos da ciência e comete, em seu nome, equívocos sucessivos sem dar pelo absurdo de suas pretensões. Chama-se a atenção para a relatividade da ciência. O médico cria algumas teorias para a loucura, e pensa que cada uma delas é uma verdade absoluta para, em seguida, se frustrar. Critica-se também a postura cientificista que não vê o ser humano na sua integridade corpo X alma.

O escritor Machado de Assis é um caso à parte na Literatura Brasileira. Suas histórias, especialmente na sua fase realista, são marcadas por narrativas introspectivas e psicológicas, com ênfase nos personagens, em detrimento dos eventos. Ele sonda os pensamentos dos personagens para explicar suas condutas e suas relações sociais. É isso que ele tem em comum com o alienista e faz dele uma espécie de psiquiatra literário. Ele sempre escrevia com uns toques de humor, ironia, pessimismo e crítica à hipocrisia nas relações humanas. Um exemplo disso é a aparente subserviência de Simão Bacamarte à ciência. Porém, Machado revela a hipocrisia humana através das intenções verdadeiras de Bacamarte: atingir a glória e ser a pessoa mais importante de Itaguaí.

Neste conto, a análise psicológica vem acompanhada de uma crítica social, sendo, portanto, um conto psicossocial.

Enfim, "O Alienista" é um conto alegórico, porque simboliza metaforicamente algo que poderia acontecer doravante em qualquer lugar do mundo.

Notas históricas:

  • O primeiro manicômio do Brasil foi inaugurado em 1852, nomeado Hospício Pedro II, servindo como um anexo da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro.
  • Na época em que ocorre a história surge a psiquiatria moderna na Europa, que descarta a possessão por maus espíritos como causa de enfermidades mentais.


 

PARA SABER MAIS:

Sobre Reforma Psiquiátrica e Luta Antimanicomial. Disponível em: http://www.polbr.med.br/arquivo/wal0605.htm
http://portalteses.cict.fiocruz.br/transf.php?script=thes_chap&id=00006302&lng=pt&nrm=iso

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-59702005000100003&script=sci_arttext


 

A antipsiquiatria e Machado de Assis: "O Alienista", de Maria Regina H. Newlands Trotto. Disponível em:

http://www.psicosite.com.br/per/jbp/jbp1991.htm


 

Comentário e resumo sobre o conto "O Alienista", além de vida e obra do autor. Disponível em:

www.vestibular1.com.br

http://www.culturabrasil.org/machadodeassis.htm

http://vbookstore.uol.com.br/resumos/alienista.shtml


 

História da Psiquiatria no Brasil. Disponível em:

http://www.psiquiatriageral.com.br/legislacao/saude_mental01.htm

http://www.sppc.med.br/mesas/anamariagaldini.html


 


 

Uma Crítica da Psiquiatria na Literatura Brasileira


 

Tony Harrison Oliveira Nascimento

Acadêmico de Medicina (UFC-Sobral),

membro do Gestus Mentis, projeto de extensão da UFC.

Muito antes da Reforma Psiquiátrica (que questiona o valor dos manicômios como forma de tratar os portadores de transtornos mentais), ainda no século XIX, Machado de Assis abordou o assunto no conto "O Alienista". A história se passa na vila de Itaguaí, interior do Rio de Janeiro, final do século XVIII, onde um médico português chamado Simão Bacamarte se instala e se dedica ao estudo de saúde mental, sendo por isso chamado alienista, denominação equivalente a de psiquiatra. Com o apoio do poder público, consegue construir a primeira casa de orates (manicômio) do Brasil, que acaba sendo chamada de Casa Verde. Seu grande objetivo é determinar os limites entre a razão e a loucura. Para isso, ele usa a população de Itaguaí como amostra de sua pesquisa. Ele observa o comportamento de cada pessoa e manda internar na Casa Verde aquelas que apresentem um padrão de comportamento que ele considere desvio de personalidade, como no caso de um cidadão que perde toda a sua fortuna emprestando dinheiro sem cobrar de volta. Sua pesquisa é puramente experimentalista. Não há bastantes detalhes sobre a terapêutica empregada na Casa Verde. Parece que o alienista apenas manda os "dragões" (a polícia da época) recolherem os supostos loucos e confiná-los na Casa Verde para ver o que lhes acontece. A Câmara Municipal do lugar não apenas o autoriza a fazer isso como determina que os cofres públicos banquem a maioria das internações. São, respectivamente, um exemplo de medicalização da sociedade e uma prévia de um momento do século XX em que o Estado subsidiaria a construção de hospitais e clínicas particulares, além de custear internações, muitas vezes desnecessárias, naquelas instituições.

Este conto machadiano não é apenas uma crítica à psiquiatria da época. É uma crítica ao cientificismo do século XIX, muito presente na corrente literária naturalista. O alienista é uma caricatura de cientistas da época, homens que falavam demais, demonstrando ter muitos conhecimentos, mas não sabiam como prová-los e empregá-los. É a deformação do "cientista" que toma como verdade absoluta os pressupostos da ciência e comete, em seu nome, equívocos sucessivos sem dar pelo absurdo de suas pretensões. Chama-se a atenção para a relatividade da ciência. O médico cria algumas teorias para a loucura, e pensa que cada uma delas é uma verdade absoluta para, em seguida, se frustrar. Machado revela também a hipocrisia humana ao mostrar as intenções verdadeiras de Bacamarte: atingir a glória e ser a pessoa mais importante de Itaguaí. "O Alienista" é um verdadeiro conto psicossocial, pois apresenta uma crítica social através de uma profunda análise psicológica de seus personagens. Mas... quem quiser saber o final desta história... terá que ler.

PARA SABER MAIS:

Machado de Assis. O Alienista. Disponível para download em http://www.bibvirt.futuro.usp.br/textos/autores/machadodeassis/alienista/alienista.html


 


 


 

 

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