CARTA AOS MÉDICOS CATÓLICOS DE TODO O MUNDO
SOBRE
"A RELAÇÃO DO MÉDICO COM A MORAL"
Pelo Dr. José Maria Simón, Presidente da Federação Internacional de Associações Médicas Católicas (FIAMC)
Distintos colegas:
A relação do médico com a moral nem sempre foi fácil. Muitos companheiros de diversos países pedem algumas reflexões que os ajudem a exercer a profissão médica com segurança moral. Um dos requisitos desta segurança moral é consultar frequentemente especialistas para iluminar a consciência profissional. Esta, para ser eficazmente humana, deve ser bem formada e estar correctamente informada e deve ser frequentemente afinada na sua procura permanente da verdade. Nos últimos tempos, dada a natureza das respostas dos especialistas, é conveniente fazer algumas precisões sobre a qualidade e o alcance das mesmas.
A LEI NATURAL EXISTE
A lei natural é a capacidade que a recta razão humana tem para conhecer e aderir à verdade. Há que notar que nenhum profissional contacta tanto com a existência desta lei como o médico.
Embora a lei natural não coincida com a lei biológica, sabemos perfeitamente que se desvalorizarmos a fisiologia humana, por exemplo, os nossos pacientes passarão mal. Ninguém pode, por exemplo, comer pedras sem transgredir as leis do nosso corpo e, como tal, adoecer. Isto pode ajudar-nos a compreender que há também uma lei que nos ajuda a valorizar a dignidade humana. Todos "sabemos" que matar um ser humano inocente está errado. Ou que roubar está errado. Sabemos que se não considerarmos o ser humano como um ser psicológico, espiritual, familiar e social, a nossa missão de transformar o sofrimento em bem-estar (os médicos são como os nazarenos, como cireneus, que ajudam a suportar o peso da doença e da dor) não alcançará nunca plenamente os seus objectivos.
Apesar de que maioria absoluta dos habitantes do planeta Terra acredite num Ser Supremo, nas sociedades ocidentais, muitos pensadores e opinion makers não acreditam. Também a eles podemos dar razões naturais do que é bom ou mal para o ser humano. E, por vezes, será com estas razões que entenderão a excelência do nosso pensar.
Vista a existência da "lei natural", dada a sua complexidade (embora algumas normas sejam bem simples) e sendo óbvio que os seres humanos padecem desde Adão sérias limitações, podemo-nos perguntar se há alguma última instância que interprete correctamente esta lei. Inúmeros graus jurisdicionais intermédios ajudam ou perturbam a percepção da lei. A nossa última instância pessoal é a nossa consciência profissional pessoal, que será o que desencadeará as decisões sobre os actos médicos. De facto, cada um com a sua própria razão pode chegar muito longe na procura da verdade. Mas existe uma instância segura, autêntica e objectiva, e portanto útil e boa, de interpretação geral da lei, algo que nos impede de cometer grandes erros para com o ser humano e que ainda procura a felicidade transcendente das pessoas.
Deus é o Criador do Universo e do Homem. E, como referiu alguma constituição política, Deus fez o homem livre. Livre de escolher a verdade e o bem. Mas também livre de optar pelo mal. A experiência indica que o bem e o mal se misturam num sem fim de tonalidades no interior da nossa sanidade. Se o mal existe, existe também a confusão, o erro. Tanto o erro culpável como o não-culpável (os quais devemos combater!). É possível que algumas pessoas estejam empenhadas em expandir a confusão. Além disso, o mal pode constituir verdadeiras "estruturas de pecado", lugares, estabelecimentos ou leis que não sejam adequadas ao ser humano.
A IGREJA INTERPRETA A LEI NATURAL
O nosso Criador definiu que fosse a Igreja a interpretar de maneira autêntica a "lei natural". Salvaguarda ainda tudo aquilo que Ele mesmo Revelou e que não se encontra na natureza. Os seres humanos estão neste mundo de passagem e à prova, afastados até certo ponto de Deus mas, de modo algum, abandonados. No Pai-Nosso dizemos "Pai nosso que estais no Céu", o que já indica que nós estamos noutro nível, num não-Céu. "Venha a nós o vosso Reino" e "livrai-nos do mal" indicam-nos claramente que existe um estado melhor que pode vir e que ainda não veio plenamente e que o Criador tudo pode. Para não ficarmos sós, dispomos do serviço que nos brinda o Magistério da Igreja. A Igreja fala com a linguagem humana (e em diferentes idiomas) sobre tudo o que acontece ao Homem.
Outra verdade que entende a nossa experiência própria e histórica é a realidade do progresso da Medicina. E isso independentemente de ter havido avanços, retrocessos e assimetrias, conforme os países e as culturas. Os seres humanos têm imensas surpresas por descobrir na natureza e são capazes de inventar e construir uma infinidade de coisas, o que faz do viver uma experiência apaixonante e inacabada.
O progresso deveria avançar com as duas pernas: ciência e ética. Nos últimos anos, o nome e o conteúdo de uma suposta nova disciplina tem vindo a ganhar importância, a Bioética. Pessoalmente, acho que os médicos já dispunham, muitos anos antes, de disciplinas equivalentes. Recentemente li livros de Moral médica e de Deontologia profissional dos princípios do século passado e não deixam de ser tratados de Bioética...
O MAGISTÉRIO ACOMPANHA O PROGRESSO DA MEDICINA
O progresso da Medicina tem vindo a ser acompanhado pela presença do Magistério da Igreja. As novas técnicas, as novas descobertas, interpelam os médicos, os quais encontram apoio no Magistério. Apoio é segurança. A segurança moral é necessária no exercício da nossa profissão. O Magistério ilumina a consciência profissional para que se possa exercer o bem, adaptando-se aos tempos e momentos dos avanços. O Magistério intervém, depois de ter em conta os dados obtidos pelas ciências experimentais. Não nos poupa o esforço de estudar o mundo por nós mesmos. Pelo contrário, incita-nos a tal.
O sentido comum eclesial diz-nos que, se todas as pessoas baptizadas pertencem à Igreja e oferecem o seu grãozinho de areia, quem exerce o Magistério da Igreja é o Papa e os bispos em comunhão com ele. Não pode ser de outra maneira. O Todo-Poderoso fez-se um de nós e deixou alguns representantes, age quando quer e como quer, mas adapta-se à lógica inscrita por Ele próprio. Não é razoável que qualquer um ou de qualquer maneira crie um Magistério ou pretenda interpretar autenticamente a "lei natural".
Assim, quando surge um documento papal ou episcopal sobre um tema de interesse próprio da profissão, o médico católico deveria olhar criticamente para a legião de teólogos moralistas que o interpretam e reinterpretam em diversos meios de comunicação. Como se o Papa não escrevesse com clareza! Como se os médicos católicos não pudessem entender por si próprios! Não se pode ofender a inteligência dos profissionais nem da população em geral. Já sei que alguns teólogos têm a protecção de inúmeras publicações, são professores de universidades de prestígio desde há anos ou mantêm laços de amizade connosco. A emoção pode derrubar mentes ricas e bem organizadas e, pelo contrário, também pode fazer entender por outra via aquele que não entende pela via da razão.
O comum dos mortais compreende o provérbio que diz "onde há patrão, não manda marinheiro". Tal deveria ser suficiente para calar quem desempenha descaradamente funções que não lhe são devidas.
É fundamental ter em conta que, tal como acontece no caso das aparições ou revelações pessoais, o público na Igreja privilegia os ensinamentos privados. Assim, os ensinamentos públicos da Igreja sobre os temas que nos afectam têm sempre prioridade e veracidade. Os ensinamentos privados de teólogos têm de ser postos em quarentena se contradisserem o Magistério. Inclusive se parecerem contradizê-lo. Um dos princípios da comunicação na Igreja é o da clareza ou não-contradição. Na Igreja não há segredos. As grandes verdades são públicas e claras (temo-las no Catecismo da Igreja Católica). Quando se anuncia um mistério, clarifica-se a sua qualidade de mistério.
A vida das pessoas na Terra visa o seu destino eterno. Não se pode medir o homem apenas em duas dimensões. A terceira dimensão, a que aponta para cima, é a que dá volume às nossas vidas.
Um caso exemplar
Trata-se de uma declaração de especialistas sobre a possível licitude da transferência de núcleo alterado de um óvulo para obter células-mãe. Alterar-se-ia de tal forma o material genético de uma célula que o produto resultante da introdução deste material num óvulo e a sua activação não originaria um ser humano. Seria algo semelhante à mola hidatiforme, que também provém do óvulo e espermatozóide alterados, neste caso de forma natural.
A exemplaridade do caso deve-se à inteligência de considerar a possibilidade, à maneira de expressar prudentemente opiniões, à sinceridade dos envolvidos ao admitir que cada um é especialista apenas numa parte e que não falam em nome da sua Igreja ou entidade de trabalho, e ao facto de proporem começar as investigações com animais.
AO TOMAR DECISÕES HÁ QUE ENQUADRAR O PROBLEMA
São muitas as ocasiões em que os médicos católicos se vêem perante dilemas morais e têm que tomar decisões. Por isso, é importante saber distinguir entre o bem e o mal, algo que é impossível fazer à margem da Igreja (as coisas são como são).
Ao tomar decisões, será bom ter em conta o velho princípio "primum non nocere" (primeiro, não causar dano) e o evangélico princípio "não mais cargas do que as necessárias". Também o de trabalhar com excesso de bem. Tal permite-nos ir muito mais além ao enfrentar os problemas com a humanidade.
Apesar de não sermos habitualmente responsáveis pelo mal de terceiros nem por trabalharmos em estruturas de pecado, jamais devemos perder a força dos ideais da juventude, a frescura de querer mudar as coisas por mais enraízadas que pareçam ou a crença de que nunca estamos sós.
Antes de tomar decisões, o médico toma uma posição perante o problema concreto. É bom enquadrar as coisas no sentido amplo (o "frame"), partindo de uma antropologia sã. Recordo aquela ocasião em que fui convidado por um meio de comunicação de massas para um debate sobre a inseminação artificial nos casais lésbicos. Era suposto as diferentes opiniões estarem equilibradas. Porém os convidados eram um activista gay, uma lésbica, um bissexual, um libertino e um heterossexual. Além disso, o apresentador e as reportagens de apoio estavam a anos luz do pensamento do minotário heterossexual. Questionada a direcção do programa por tão absurda manipulação, tive que ouvir que tudo tinha sido pensado desde a mais estricta paridade de opiniões...
Neste caso, o enquadramento do tema não é se aquele tipo de casais tem ou não direito à inseminação ou se há casais heterossexuais que maltratam os seus filhos. A perspectiva ampla pode ajudar um profissional de fertilidade a exercer a objecção de consciência. E o ideal, e com milhões de esposos e crianças que são e foram felizes, é que os filhos nasçam naturalmente na família, homem e mulher. É nessa direcção que o debate deve ser conduzido porque é aí onde reside a realidade.
PODE-SE FAZER UM MAL PARA OBTER UM BEM?
Ainda que geralmente os problemas nas decisões médicas não se costumem apresentar como males que produzem bens, certo é que esta é a chave da questão em numerosas ocasiões. E o princípio de jamais fazer um mal para obter um bem (o fim não justifica os meios) é básico.
As decisões médicas são actos morais. Muitas vezes a rotina da vida faz com que não as vejamos como tais. Talvez um dia já tenhamos questionado a moralidade de um procedimento ou protocolo, decidimos que era justo e aplicamo-lo em diversos pacientes. Os automatismos fazem parte da natureza e ajudam-nos a viver sem gastar grandes quantidades de energia mental. Contudo, em algumas ocasiões – não apenas nos casos extraordinários – há que estudar atentamente o acto moral.
É útil a tradicional divisão do acto moral em objecto, fins e circunstâncias. Um acto bom requer a bondade simultânea destes três elementos constitutivos da moralidade dos actos humanos. Algumas vezes é necessário aguçar a astúcia para pôr cada coisa no seu sítio e detectar claramente que objecto estamos a avaliar. Definitivamente, do que estamos realmente a falar.
Por exemplo, pode alguém embebedar-se (acto mau) para extrair alguns dentes careados (fim laudável) numa circunstância de ausência de medicina (ambiente favorável ao acto)? Não é aceitar que o fim justifica os meios ou que se pode fazer um mal (embebedar-se) para conseguir um bem (a saúde)? A resposta a este aparente dilema, que pode ser aplicada a muitos outros casos mas não a todos, é que catalogámos o acto como "embriaguez" mas no fundo é um acto "anestésico". O álcool é um anestésico, ainda que de segunda categoria. A nossa razão prática, com um pouco de formação e de treino, ajudar-nos-á a catalogar cabalmente o acto moral.
Há comportamentos cuja eleição, pela sua natureza, é sempre errada. Por exemplo, no caso do aborto não se pode afirmar que sacrificar o filho para supostamente favorecer a mãe é um acto bom, seja qual for a visão sobre esta questão.
O EFEITO DUPLO
A teoria do efeito duplo está mal vista na Europa devido ao desprestígio dos chamados "danos colaterais" nas guerras recentes. Alguém bombardeia o inimigo e, sem querer, a sua acção afecta civis inocentes. É terrível.
Deste modo, a Medicina mantém-se de pé porque aceitamos a teoria. A quimioterapia pretende eliminar as células cancerígenas à custa de também prejudicar as células saudáveis. Retiramos um útero doente mesmo que a mulher fique infértil para sempre. Vacinamos milhares de crianças mesmo sabendo que algum morrerá devido aos efeitos secundários.
É claro que devemos fazer tudo o que é possível para minimizar os efeitos secundários, da mesma maneira que há que fazer tudo o que é possível para evitar uma guerra. No efeito duplo, não se trata de fazer um mal para conseguir um bem. O mal não se deseja. Surge mudo, quieto e persistente.
No caso do chamado aborto terapêutico ou no eugenésico, para que fique claro que aqui não existe efeito duplo e que quem se combate primeiro é o embrião, João Paulo II afirmou que jamais se pode legitimar a morte de um inocente.
No caso do aborto indirecto, se é legítimo tratar uma mãe mesmo que o efeito secundário esperado seja a morte do embrião ou feto, algumas pessoas têm-nos dado a solução para os problemas morais através do excesso de bondade. É o caso da Dra. Gianna Beretta, que recusou um tratamento para não prejudicar a sua gravidez. Ela morreu e o seu filho está vivo.
O MAL MENOR
Está na moda falar do mal menor como se fosse algo desejável. Mas não. Jamais se pode fazer um mal, por menor que seja ou se considere. O mal é sempre mau. A teoria do mal menor não se refere a fazer mas sim a tolerar. O mal menor é decidido por um terceiro ou terceiros sem que nós tenhamos um papel nessa acção. Temos que tolerar certos males porque não somos Quixotes para podermos arremeter contra tudo e além disso o ser humano é livre, inclusive para utilizar mal esta liberdade. A nossa obrigação é a de nunca praticar o mal. Sempre fazer o maior bem possível. Ao que não nos devemos acostumar é a tolerar os males infligidos a inocentes. Estes males nunca são menores!
A COLABORAÇÃO COM O MAL
Com o mundo, tal como está, devemo-nos questionar frequentemente se evitamos colaborar com aquelas pessoas e estruturas que atentam contra a dignidade do ser humano. Embora possam encontrar outros que colaborem com o mal, que não nos encontrem a nós. Que não nos seja imputável e, se possível, que tentemos conduzir as situações pelo caminho correcto.
Nalgumas ocasiões teremos dúvidas, especialmente se a colaboração for remota. A colaboração remota, ainda que efectiva, não nos é imputável se não a desejarmos. É conveniente evitar o escândalo e não nos deixarmos influenciar. Mas não nos podemos fechar numa redoma de vidro e deixarmos de ser uma boa semente no mundo que nos rodeia.
LIBERDADE E SEGURANÇA MORAL
O médico católico dispõe de uma ampla liberdade para exercer a sua profissão. Estamos dotados de inteligência e devemos aproveitá-la ao máximo. Por outro lado, a segurança de que estamos a agir correctamente (segurança moral) pode ser alcançada com uma formação ética mínima, assistindo ao Magistério e consultando alguns casos junto de colegas mais velhos ou com algum sacerdote de boa doutrina. Milhares de médicos em todo o mundo exercem a medicina diariamente com a tranquilidade de que estão a agir bem.
Os médicos católicos têm grandes modelos onde se apoiar. Não fizeram mais do que identificar-se de forma perfeita com quem encarna o princípio da ética: Christus medicus. São Lucas, São Cosme, São Damião, São Peppino Moscati, Santa Gianna Beretta, São Ricardo Pampuri, o beato Pere Tarrés, o beato László Batthyány-Strattmann, e muitos mais, precederam-nos e converteram-se nos gigantes da Medicina. Curiosamente, muitas vezes os pacientes veneram-nos mais do que nós mesmos, os médicos...
ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE TEMAS CONCRETOS
Os preservativos
O "affaire" dos preservativos para evitar o contágio da sida ou uma gravidez não desejada é outra das questões que atraiçoa a mente dos médicos católicos activistas. Mas não nos devemos deixar levar por caminhos que não são os nossos. A sexualidade é uma das dádivas do casamento e dentro deste atinge a sua expressão máxima. Os católicos, no matrimónio, vivem ao limite a sexualidade. A sexualidade fora do mesmo, entre homens ou poligâmica não faz parte da nossa antropologia. Não se pode acusar a Igreja de difundir a sida (esquecem-se quase sempre das outras 29 doenças de transmissão sexual) quando prega a abstinência, a fidelidade e a espera, o que é útil para evitar doenças ou uma gravidez na adolescência. Mas a finalidade primordial da castidade não é anti-epidémica, mas sim promover a virtude e proporcionar felicidade.
É evidente que os médicos católicos, que servem num mundo onde há de tudo e em que muitas vezes as próprias estruturas de saúde estão corrompidas, irão encontrar pessoas que querem continuar a praticar a poligamia sequencial ou a homossexualidade. Não será tarefa simples, num ambiente de boa relação médico-paciente, apresentar-lhes as nossas propostas. Se a pessoa insiste implícita ou explicitamente em continuar as suas práticas, o médico falar-lhe-á da "barreira" mais ou menos imperfeita que é o preservativo, sem o apresentar, e muito menos recomendar como um bem. E se, por último, a pessoa estiver infectada, tratá-la-á com carinho e profissionalismo.
É importante ter em conta que não é missão da Igreja "remediar" os comportamentos incorrectos que o ser humano continua a praticar. Nem, dentro do possível, devemos permitir que os meios de comunicação social nos utilizem para promover condutas indignas.
Há conhecimentos científicos que não se obtêm lendo as secções de ciência dos meios de comunicação. Deste modo, saber que os hermafroditas existem, que o síndrome pós-aborto é frequente e doloroso ou que os homossexuais podem muitas vezes mudar, aprende-se em publicações especializadas ou pela boca de mestres experientes.
É bom ter sempre em mente a antropologia sã, e pensar que os media compreendem melhor o que é simples, vendo-se obrigados a usar títulos que provoquem impacto e raramente conseguem fazer bem um debate moral.
A eutanásia: morrer não é o mesmo que matar
Não se pode deixar de dar assistência a um doente terminal. Não podemos estar na sua pele e não podemos matá-lo. A única coisa digna que podemos fazer é proporcionar-lhe cuidados paliativos de qualidade, os quais devem ter em conta as dimensões biopsicossocial, espiritual e familiar da pessoa. É por este caminho que se deve avançar.
A eutanásia mata a liberdade: trata-se de uma suposta decisão livre que fará com que a pessoa nunca mais tome decisões livres. Nem sequer a tão humana decisão de corrigir. A eutanásia, a sua banalização ou despenalização, é uma questão que se enquadra no lado escuro da profissão de médico, seja ela promovida de que maneira for.
São muito frequentes os casos de consultas sobre se se deve proporcionar ou não tratamentos a doentes terminais. A Medicina não pode negar nunca a hidratação, a nutrição, a higiene, a oxigenação, os medicamentos básicos. Recentemente, um idoso revelou uma insuficiência cardíaca e o comité de ética do seu hospital recomendou apenas um tratamento à base de morfina, à espera da sua morte. Mas o médico que o assistia resolveu o caso com um diurético, oxigénio e digoxina. Verdadeiro sábio o médico que o seguia.
Os contraceptivos orais
Os seres humanos foram criados por Deus notoriamente incompletos. O homem precisa da mulher para se realizar e a mulher precisa do homem também para ser feliz. O homem e a mulher precisam também dos filhos para completar a sua plenitude na família. Os casais têm todos os filhos que podem manter e educar. O número de filhos depende de muitos factores e deveria relacionar-se com a generosidade. As famílias numerosas são uma alegria para a sociedade e para a Igreja. Na minha opinião pessoal, prescindir do outro sexo seria anti-natural num ser humano maduro, a menos que se torne num bem sobrenatural, como sucede com o celibato em nome do Reino. Desde logo, existem motivos de força maior ou imponderáveis que fazem com que uma pessoa não se possa completar com um companheiro.
O acto sexual baseia-se numa energia tal que não deixa ninguém indiferente e tem sempre consequências. Une o homem e a mulher de forma incomparável. A sua concretização deve ocorrer numa contexto de maturidade, compromisso e exclusividade: o matrimónio. O homem e a mulher dão tudo um ao outro, incluindo a capacidade de gerar novas vidas humanas, o que é positivo.
Existem momentos em que, objectivamente, por motivos médicos, sociais, familiares, a responsabilidade dos pais leva-os a evitar um novo nascimento. A possibilidade de tal acontecer já está prevista na "lei natural". A mulher só é fértil alguns dias por mês. Os métodos naturais de regulação da fertilidade (Billings, sintotérmicos, etc...) permitem utilizar estes períodos inférteis no sentido do casal continuar a manter-se em contacto com as relações sexuais e que com elas superem a impura atracção por outras carnes.
O Papa Paulo IV, na encíclica Humanae vitae, adverte que os médicos e o pessoal da área da saúde devem considerar como próprio dever profissional a procura de toda a ciência necessária neste campo para poder dar aos casais que os consultam sábios conselhos e directrizes saudáveis que é o que deles esperam, como é legítimo.
Os contraceptivos violentam vários direitos humanos: o direito à vida (nos casos da pílula abortiva ou da pílula do dia seguinte), o direito à saúde (têm efeitos secundários, ao contrário dos métodos naturais), o direito à educação (as pessoas têm o direito de conhecer a sua própria fertilidade) e o direito à igualdade entre os sexos (a carga contraceptiva costuma recair sempre sobre a mulher).
Em Julho de 2005, a Agência Internacional para a Investigação do cancro (Lyon, França), da Organização Mundial de Saúde, informou acerca do factor cancerígeno dos contraceptivos orais de estrogénios e progestagénios combinados, baseada nas conclusões de um grupo de trabalho internacional "ad hoc". Foram classificados como carcinogénios do Grupo I.
Lamentavelmente, caros colegas, hoje em dia não somos capazes de proporcionar métodos naturais a todos aqueles que necessitam. As baixas taxas de fecundidade nos países de maioria católica (Espanha, Itália), juntamente com o pouco conhecimento destes métodos, indicam-nos que muitos casais utilizam os métodos artificiais. Se tivermos em conta que se tratam de países relativamente ricos, não se pode dizer que são generosos no número de filhos. Aqui temos um grande desafio. Jamais devemos apagar a chama que foi acendida em nome dos métodos naturais.
Infelizmente, a contracepção não é o único desafio da Medicina e da sociedade. Nem sequer somos capazes (nem nós nem o conjunto das nações em geral) de proporcionar meios contra a subnutrição, a malária ou a transmissão vertical da sida. Temos os conhecimentos e alguns meios mas não podemos pô-los ao alcance dos necessitados. Trabalho não falta.
Sem julgar os casais que utilizam contraceptivos artificiais – a nossa função não é julgar – não devemos esquecer nunca este dever profissional de oferecer os métodos naturais e de dissuadir dos artificiais. É sinal de progresso compreender bem a natureza e ajudá-la no que é possível. O mundo está inacabado. Temos um trabalho para fazer. E quando o realizamos, o progresso evidencia-se.
O aborto provocado
Há algo pior do que arrancar um filho do ventre da sua mãe? Pode-se explicar a uma criança de cinco anos o aborto provocado? A mulher que perde o filho num aborto espontâneo não chora como se tivesse perdido um filho? Fazem os médicos todo o possível para transformar o sofrimento de uns pais com problemas durante a gravidez numa alegria e felicidade? O médico católico exerce a opção preferencial por parte das mães. Nem a exclusiva, nem a que exclui, mas a preferencial.
O evolucionismo
Sabemos muito pouco acerca do começo físico da espécie humana. Sem cair no cientifismo, há que esperar décadas até que a ciência nos ilumine mais sobre este tema. Não se sabe nem como nem quando uma espécie passa a outra, se é que tal acontece. Grande parte do que foi escrito sobre esta matéria é provisória e incompleta.
A amniocentese
Como sabem, salvo casos muito excepcionais, a amniocentese realiza-se para provocar o aborto no caso de suspeita de uma malformação fetal. Deste modo, como esta prática não se faz pelo bem do feto e da mãe, não pode ser considerado um acto médico correcto.
A reprodução artificial
O médico pode e deve ajudar os casais inférteis, mas não pode substituí-los. Este princípio é muito útil para compreender que, apesar da popularidade das técnicas chamadas de "reprodução assistida", não podemos ceder às tentações fáceis e lucrativas. Todos os esforços devem concentrar-se em melhorar os estudos de fertilidade dos casais e em tratar o tratável, que é muito. Dada a fixação que muitas clínicas têm com a fecundação in vitro, é conveniente explicar aos casais que não é função dos médicos substituí-los, que as amniocenteses fazem-se quase sempre para abortar filhos defeituosos, que se eliminam embriões que sobram frequentemente, que se congelam filhos.
Os ginecologistas católicos são os heróis da Medicina de hoje. O seu cuidado e promoção são a principal prioridade para as associações de médicos católicos e para a F.I.A.M.C. Os médicos de clínica geral e outros especialistas também podem oferecer sábios conselhos nas questões de fertilidade.
O respeito pelo embrião. As células-mãe.
Sinceramente acredito que a postura mais coerente com os conhecimentos que temos sobre o embrião é o seu escrupuloso respeito, desde a concepção. E é a postura que mais problemas evita. A nossa coerência destaca-se quando defensores das baleias e focas, detractores da pena de morte, activistas dos direitos humanos, filantropos de várias espécies aceitam a destruição do embrião sem pestanejar (sempre com fins terapêuticos, claro).
A concepção dura um tempo, mas o processo já está desencaeado e o respeito pela integridade do embrião começa muito antes: começa com o respeito pela união do homem e da mulher, evitando concepções in vitro. Os seres humanos não devem introduzir o caos na bios.
Comparando com o início do evangelho de S. João, podemos dizer que no início existe o código genético, e o código genético está na vida e o código genético é a vida. Quando existe um código genético humano completo, expressável e que se expressa de maneira contínua, coordenada e gradual, imparável, se não for afectado por factores externos adversos, existe um ser humano único e irrepetível que se deve respeitar. Vem para nós e os seus (nós) devem reconhecê-lo e recebê-lo.
Já se compreende que, embora qualquer célula, por exemplo da nossa pele, contenha o código genético humano completo, não se trata, contudo, de um ser humano. A expressão desse código, que é parcial, faz com que não se trate de um ser humano. É o óvulo fecundado o que já actua como humano! Ao início, somos um código único e irrepetível, rodeado de algumas membranas, ARN, reservas de energia e outros serviços. Até agora, nenhum investigador "criou" vida. Os seres humanos apenas são capazes de transmiti-la, correcta ou incorrectamente.
As células-mãe embrionárias vão dar lugar ao embrião. E as células-mãe adultas servirão para regenerar os tecidos. Simples.
No sentido estricto, o ser humano não tem direito à vida. A vida é um presente que recebemos. Antes de existirmos não éramos nada, e portanto não éramos um sujeito de direitos. Ao que temos direito é que outro ser humano não nos tire a vida!
Caros colegas:
A nossa profissão é talvez a mais admirada no mundo e aquela de que as pessoas mais esperam. Recomendar-vos-ia a que nunca deixem de estudar, que tenham presente a promessa e a oração do médico (www.fiamc.org), que não caiam na tentação de venerar o deus Mammon (o dinheiro) e que considerem a possibilidade de trazer colegas para as associações de médicos católicos já existentes.
Cordialmente,
José Maria Simón
1-XII-2006
P.S. Agradeço ao Mons. Maurizio Calipari, assistente eclesiástico da FIAMC, os conselhos que me deu para dar a esta carta o seu formato definitivo. Embora se encontre sob a supervisão da Hierarquia, o Código de Direito Canónico dá uma ampla autonomia às Organizações Internacionais Católicas como a que presido. A FIAMC é uma organização de Direito público na Igreja universal, e portanto "fala e actua em nome da Igreja". Trata-se de um claro sinal de confiança eclesiástica nos leigos.
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