Achei um texto curioso, escrito por um médico formado pela UFC e que trabalha no Rio de Janeiro. Neste texto, escrito por ocasião das comemorações dos 55 anos da nossa faculdade, ele faz uma reflexão sobre o descaso do governo em relação à educação médica, sobre o descaso dos próprios médicos com a educação médica e a supervalorização do direito, devido a uma cultura querelante importada dos Estados Unidos. Confira.
A FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC): UMA HOMENAGEM AOS SEUS 55 ANOS
Ac. Paulo César Alves Carneiro é Membro Titular da Academia Fluminense de Medicina - Cadeira 28
"A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás,
mas só pode ser vivida olhando-se para frente".
Sören Kierkegaard (1813-1855).
DEFENDO DE FORMA CONTUDENTE, sem interesses individuais, o ensino médico público e gratuito, por coerência, convicção, gratidão, ideologia e contingência histórico-social. Tolero a existência de outros (Escolas Médicas Particulares), considerando ser o espaço ideal para a educação dos filhos da elite dominante, todavia na prática cotidiana, isso não é o que acontece. É a tradicional articulação entre o ensino de 1.º e 2.º grau privado com o ensino público em nível superior.
A Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (FMUFC), escola pública e gratuita, graduou centenas de médicos, em 55 anos de existência, completados neste 12 de maio de 2003. Fundada por um grupo de pioneiros, liderados por Jurandir Picanço. Teve a sua inauguração registrada por uma conferência magna proferida pelo Prof. Dr. Alfredo Alberto Monteiro (Então Diretor da Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil/Atual Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro), discípulo de Benjamin Baptista (Ex-Catedrático de Anatomia da FNM/UB), na noite de 12 de maio de 1948. Apresento neste momento, aos que fizeram a história da Faculdade de Medicina da UFC, aos meus antigos mestres, a mais alta e expressiva homenagem. Um programa sério de formação de monitores e de bolsistas de iniciação científica , fundamentados na meritocracia, contribui, inquestionavelmente, para a formação de um bom médico, dotado de conhecimentos técnico-científicos, formação humanística e filosófica. Aproveito o ensejo para prestar uma imorredoura e justa homenagem, aos meus orientadores de monitoria na disciplina de Medicina Social (Professores Titulares Maria Zélia Rouquayrol e Maria Auxiliadora de Souza), e na monitoria da disciplina de Clínica Médica - Gastroenterologia (Prof. Emérito João Barbosa Pires de Paula Pessoa) e ao meu orientador na Bolsa de Iniciação Científica do CNPq (Prof. Adjunto Doutor e Livre-Docente Antônio Lacerda Machado) – meu tributo de gratidão e respeito.
Ela possui vários programas de Residência Médica, credenciadas pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), bem como vários Cursos de Pós-Graduação "Stricto Sensu" (Mestrado e/ou Doutorado), credenciados pela Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), tais como Anatomia Patológica, Farmacologia, Clínica Médica, Cirurgia e Tocoginecologia (nesses dois últimos já participei de bancas examinadoras) de boa qualidade. Desde a sua fundação até a presente data, titulou apenas 21 professores livres-docentes (o mais alto grau acadêmico no Brasil), onde a maioria é egressa desta querida e alentada escola. É a livre-docência nas Universidades Estaduais Paulistas (USP, UNICAMP e UNESP) a grande formadora da elite universitária. Ela está inserida, anualmente, em seus calendários acadêmicos, com regras claras e bem definidas. A FMUFC necessita torná-la permanente, exclusivamente para os portadores do título de doutor ou de notório saber.
Duas novas extensões do Curso Médico (Sobral e Barbalha) foram criadas sem um planejamento e apoio financeiro adequado, bem como uma estrutura física e, um corpo docente jovem e pouco titulado.
Interessantes textos históricos e literários sobre a nossa querida escola médica, do ponto de vista do "olhar docente", foram publicados pelo meu erudito Prof. José Murilo de Carvalho Martins; todavia vale enfatizar que campo da História Social da Cultural ou História Cultural é vasto ou infinito. Em princípio, todas as possibilidades de escrita, possuem validade teórica, mesmo sob o "olhar discente".
A FMUFC formou vários médicos, hoje, muitos dotados de fama, competência e riqueza. Por esses, não fazem doações significantes para a incorporação ao patrimônio público? Será que não é uma forma de gratidão e retribuição à viúva pública, tão carente e abandonada? Recentemente, o notável jornalista Elio Gaspari (In: Jornal O Globo, domingo, 02 de março de 2003 – Página: 08) divulgou que o médico Antônio Maniglia (Cirurgião de Cabeça e Pescoço), filho de pedreiro, graduado pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), em 1962, doou US$ 85 mil para a construção de um prédio da unidade de Virologia. Considero tal atitude, como uma aula magna de generosidade e reconhecimento à escola médica pública e gratuita. Sei que "a filantropia não faz parte da cultura brasileira". Entretanto, é freqüente doações por parte de ex-alunos às universidades, nos Estados Unidos da América (EUA). No Brasil, temos muitos políticos médicos poderosos (senadores, deputados federais e estaduais, prefeitos e vereadores). Por que não se juntam e, alguém apresenta um projeto de incentivo tributário para esse tipo de doação. O atual governador do Ceará é um médico de vasto prestígio e poderia comprar esta idéia, que não é nova e, apresentá-la, por um representante de seu grupo político, para que atinjam os seus objetivos maiores e mais nobres?
Em nossa imensa nação, há mais cursos jurídicos de que cursos médicos. Será que a saúde é menos importante do que o ato de querelar? Será que existirá equidade de justiça, sem saúde da população, exercício da cidadania e justiça social?
É público e notório, que em nosso país, existe uma má distribuição de médicos, há várias décadas. O problema da interiorização do médico é complexo. Faltam políticas públicas de saúde, bem como vontade política dos governantes. Faltam médicos, no Programa de Saúde da Família (OSF) do Ceará, mesmo com um salário, relativamente atraente. Ganham mais do que um médico concursado do Ministério da Saúde, há mais de dois decênios ou de um Professor Adjunto com Doutorado (admitido por concurso público de títulos e provas) de uma universidade pública brasileira, entretanto carecem de um plano de carreira. Alguns desejam importar médicos cubanos (Deputado Domingos Filho – CE) (In: Diário do Nordeste, sábado, 08 de março de 2003, página: 03), todavia os Conselhos Regionais de Medicina são contra tal procedimento. Em 1922, Fernando Magalhães (Catedrático de Obstetrícia da Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil/Atual UFRJ), num Congresso Brasileiro de Práticos no Rio de Janeiro, discursou contra a não abertura de novos cursos médicos. Quantas escolas médicas surgiram após essa data? Aí recrudesce o discurso corporativista de cunho nacionalista. A defesa do nacionalismo é importante, mas o exercício do nacionalismo fundamentado na razão e no real, é ainda mais valoroso.
Em princípio, o estudante de medicina e o médico são vaidosos.A maioria possui uma certa "hipertrofia do ego". Nos dia de hoje, a profissão médica está muito desprestigiada; os salários e/ou vencimentos estão baixos; a relação médico-paciente está prejudicada por muitos fatores de causas variadas; os convênios aviltam o trabalho médico sério e de qualidade. Entretanto, a procura desta profissão continua como de alta prioridade, em nossa sociedade tradicionalista. A concorrência nos vestibulares para cursar medicina é elevada, em todos os estados brasileiros. Querem ser chamados de DOUTORES e, posteriormente, PROFESSORES DOUTORES. Se, por ventura, fossem criadas mais escolas médicas particulares, no Ceará, acredito que não existiriam vagas ociosas, nem inadimplência. Inquestionavelmente, um grande negócio, que já começou a ser explorado. Dizem que profissão melhor existe apenas, a de banqueiro. "O lucro consolidado dos bancos, em 2002, foi de R$ 9,875 bilhões, 30,3% a mais do que em 2001 (R$ 7,578 bilhões). Quanto desses bancos são tratados com o devido rigor pela fiscalização tributária e da previdência?" (In: Jornal do Brasil, 01maio 2003, p. A13).
Para finalizar, sem hipocrisia e sofismo, um depoimento pessoal: sem uma faculdade de medicina: pública e gratuita, dificilmente, eu, filho de um ex-caminhoneiro autônomo de Tabuleiro do Norte (CE), teria me tornado médico e professor universitário vitorioso.
Disponível no site da Academia Fluminense de Medicina: http://www.afm.org.br/artigo40.htm.
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