O médico Marcelo Gurgel Carlos da Silva, além de professor e coordenador do curso de medicina da UECE e professor da FMJ, é um escritor de mão cheia. Já publicou vários livros, nem todos de conteúdo científico. Vive enviando artigos de opinião a serem publicados em jornais, a maioria deles falando sobre a educação médica e sobre a situação da profissão médica no Ceará.
Deixa eu só contar uma historinha antes de começar. Minha irmã assistiu às aulas dele de estatística, ano passado. A primeira aula parecia aquela "aula de estratégia" do Capitão Nascimento, no filme "Tropa de Elite". Ele começou dizendo: "O conceito de estatística, do grego isso, do latim aquilo...". Todos caíram na risada. Só faltou ele ver um aluno dormindo, acordá-lo e dar a ele uma granada para mantê-lo acordado.
Hoje, terminei de ler um livro chamado "Educação Médica no Ceará: crônicas e ensaios escolhidos". Trata-se de uma coletânea publicada em 2005 reunindo artigos que ele escreveu em jornais de grande circulação e em publicações de entidades médicas, em um período de cinco anos.
Nos primeiros artigos, ele apresenta os prós e os contras da criação de novos cursos de medicina no Ceará, a partir de 2000. Seus argumentos implicitamente pesam mais contra o desdobramento da Faculdade de Medicina da UFC em três cursos, que teria ocorrido muito subitamente, sem o devido planejamento por um bom período de tempo. De fato, ele tinha razão. Os cursos de medicina de Sobral e de Barbalha começaram suas atividades sem infra-estrutura pronta para recebê-los. Do mesmo modo aconteceu quando foram criados os novos cursos da UFC no campus de Sobral, que ainda não existe, em 2006. O mais racional seria construir primeiro para depois funcionar. Cá entre nós, os anos de 2000 e 2006 foram eleitorais. Talvez isto tenha algum significado.
Segundo as palavras do autor, "se queres ousar, ousa! Porém, com a cousa pública, certamente a prudência no uso de recursos, e, sobretudo, a tomada de decisão, embasada tecnicamente, ponderando cuidadosamente vantagens e desvantagens, devem ser requisitos mandatórios para o gestor público." Ele questionou se havia recursos humanos e materiais suficientes para a empreitada. Ele não teve acesso ao projeto completo de criação dos cursos avançados, mas sabia que estava prevista a contratação de 80 docentes para os 480 acadêmicos dos dois cursos, ao fim do sexto ano de atividades, o que nos dá uma razão de 6 alunos por professor. Isto para o autor é uma proporção muito elevada. Não sei como está a situação hoje em Barbalha, mas, em Sobral, somos 240 discentes para cerca de 60 docentes, resultando uma razão de 1 professor para 4 alunos. Para nós, ainda é uma proporção baixa. Ainda temos certa carência de professores em algumas disciplinas, porque há carência de especialistas na Zona Norte do Estado, especialmente em cardiologia, nutrologia, pneumologia, endocrinologia, psiquiatria, geriatria, reumatologia, oncologia, infectologia, entre outras áreas.
O autor fez votos para que, em caso de estar enganado, em relação às suas expectativas receosas, que os louros recaíssem sobre os responsáveis pela iniciativa. E recaíram.
Ele lamentou que, em determinado ano, a faculdade da UFC tenha sido avaliada com o conceito "E" e que aquele não seria um momento propício para abrir os cursos nos "hinterlands", pois, segundo a máxima empresarial, "quando a matriz vai mal, não se abre filial". Se ele tinha razão ou não, eu não sei. Só sei que os cursos irmãos na Capital e no interior têm sobrevivido até hoje, com a graça de Deus, e eu fui beneficiado com isso.
Ele escreveu vários artigos, explicando e justificando todo o processo de criação do curso de medicina na UECE. Foram pelo menos cinco anos de planejamento, o que deve ter contribuído para que o curso ficasse em segundo lugar, entre os cursos médicos do país, segundo o ENADE 2004. Ele rebateu com maestria todas as críticas que surgiram. Defendeu a criação de cursos de medicina em universidades públicas, antes que a iniciativa privada tome conta de tudo. A idéia deles parece que deu certo. Ao fim deste ano, será colhida a primeira safra. Minha escola não foi tão bem planejada assim, mas também deu certo.
O autor escreveu diversos artigos, criticando as transferências de indivíduos a partir de faculdades de medicina fora do Estado. Chegou a defender a criação de cursos particulares em Fortaleza, partindo da suposição de que aqueles que têm dinheiro para estudar fora e para bancar advogados e conseguir liminares que lhes permitam as transferências poderiam pagar uma faculdade particular aqui. Disse que a UFC conseguiu se safar mais das transferências porque mudou a grade curricular para o sistema de módulos. Então a UECE virou o saco de pancadas da vez, para os transferidos. Muitas vezes, os argumentos para as transferências são a obtenção de empregos públicos, outras vezes, "transtornos psiquiátricos" conhecidos como "saudade". A velha saudade do "paninho de cheiro". Chega a dizer que, de fato, os transferidos devem ter algum transtorno mental, pois, se não conseguem se adaptar às novas situações, vivendo longe da casa dos pais, eles não tem equilíbrio mental, portanto, não deveriam exercer a medicina.
Por fim, os últimos artigos versavam sobre os programas de residência médica no Estado. Ele enfatizou a importância de se abrirem mais vagas ou mais programas, principalmente nas especialidades de acesso direto, nas quais a concorrência é maior. Reclamou da falta de PRMs em algumas especialidades em nosso Estado e sugeriu instituições que poderiam albergá-las. Em um artigo, foram explicados os processos seletivos para os PRMs do SUS cearense, que é coordenado pela Escola de Saúde Pública, em parceria com a UECE, e para os PRMs do Instituto do Câncer. Dr. Marcelo Gurgel é membro das bancas examinadoras de ambos os concursos. Louvou a criação de PRMs no interior, para melhor aproveitamento da capacidade instalada e do potencial de ensino de alguns hospitais.
A quem interessar, o livro foi impresso pela Expressão Gráfica e Editora, mas não sei onde ele pode ser adquirido. Ele só chegou às minhas mãos porque minha irmã, que estuda medicina na UECE e foi aluna do Dr. Gurgel, pegou emprestado de uma amiga. O Currículo Lattes do autor pode ser visto em http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4787929A5. Como eu disse, ele escreve muito. Devia criar um blog. Ele escreve não apenas sobre medicina, mas sobre diversos assuntos, como serão apresentados nos links abaixo. O cara também é gente. Se ele escrevesse só sobre medicina, ele pirava depressa. A vida não é feita só de medicina, companheiro. Graças a Deus.
- Oceanografia na UFC (http://www.opovo.com.br/opovo/opiniao/800780.html);
- Produção científica da UFC (http://www.universia.com.br/html/noticia/noticia_clipping_cdide.html);
- Curso de direito na UECE (http://www.opovo.com.br/opovo/opiniao/791073.html e http://direitoce.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1509&Itemid=33);
- Frades alemães no Otávio Bonfim (http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=525732);
- Brilhantes juristas (http://www.opovo.com.br/opovo/jornaldoleitor/751751.html);
- Reverências a Dom Aloísio Lorscheider (http://www.opovo.com.br/opovo/ceara/754718.html);
- Belas-artes em cena (http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=529576).
Um comentário:
Nas últimas três décadas, os médicos no Ceará têm apresentado uma produção literária substancial. Sob a forma de colaborações em jornais e revistas da terra (a "Literapia" é uma delas) e, ainda, na qualidade de autores de muitos livros aqui publicados.
Já faz parte de nossa agenda literária o lançamento anual de uma coletânea, sob a égide da Sobrames - Ceará, que reúne textos de prosa e poesia dos médicos que lhe são filiados.
No entanto, isto que se vê no meio impresso não tem a sua correspondência na blogosfera. Raros médicos editam blogs no Ceará. Aponto o Dr. Lúcio Alcântara, a mim e... quem mais? Ynot Nosirrah, o futuro colega (ainda é estudante de medicina da UFC em Sobral) que publica o Consciência Acadêmica, um blog que acabo de descobrir.
O que é mais interessante: fiz a descoberta deste blog através da postagem intitulada "Podia ser blogueiro...", em que o blogueiro Ynot, após discorrer sobre algumas atuações do médico Marcelo Gurgel, ao final da postagem o encoraja a aderir à blogosfera.
Bem-vindos esforços, Ynot, e que se juntarão aos que já faço com este meu irmão polígrafo.
Dr. Paulo Gurgel (Blog do PG)
http://blogdopg.blogspot.com
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